quarta-feira, 9 de julho de 2008

Uma história

Dona Rosinha, uma senhora com seus setenta e quatro anos, anda, fingindo estar distraída pela Praça da Sé em São Paulo. Pára em frente a alguma vitrine, foge de lugares cheios de outras mulheres e, sem que se possa perceber, começa a conversar com um homem. O homem é, digamos, de meia-idade, aparentemente alguém livre de qualquer suspeita, muito bem vestido, tem um ar de intelectual e conversa amistosamente com Dona Rosinha. Ela parece desconfortável durante toda conversa, não parece estar simplesmente tendo uma conversa ocasional, os olhares são de um compromisso maior.
Dona Rosinha não é uma senhora como outra qualquer, ela vive sozinha em um barraco simples, de terra batida, com algumas coisas velhas amontoadas e perdidas, somente duas fotografias se destacam em meio à bagunça generalizada. Uma é do seu filho e a outra é sua de quando era moça, talvez uma época menos amarga, mais feliz e não tão solitária como se faz sua velhice. Dona Rosinha mostra as fotos a todos que visitam seu barraco com orgulho, saudade e uma pontinha de tristeza no tom de voz.
Os olhos de Dona Rosinha são cansados, conformados, muito fundos e tristes, como um rio profundo e silencioso no qual você se perde em indagações. O corpo e o rosto são envelhecidos pela idade e pelo temp0, a voz é doce, o jeito meigo e suave, parece o de uma menina frágil e desprotegida que ainda não foi apresentada a este mundo e à sua realidade. Mas voltando à conversa na praça com o homem de meia idade, depois de um tempo, Dona Rosinha sai andando em uma direção e o homem a segue com o mesmo ar de superioridade no rosto. Ela entra em um hotel simples, um local que já está acostumada a freqüentar, haja vista a intimidade que tem com seus administradores. O homem a esta altura já está atrás dela. Dona Rosinha entra no quarto e fecha a porta depois que o homem por ela passa. Ela não diz uma única palavra durante uma meia hora, neste tempo, apenas falam seus olhos tristes e humilhados através de lágrimas disfarçadas. Depois de um tempo ela diz: são trinta reais mais dez do quarto. Ela recebe e o homem sai sem dizer obrigado.
O bom jornalismo realmente é aquele feito de boas e surpreendentes histórias como esta que acabei de conhecer por meio do Profissão Repórter, um programa da Rede Globo que mostra os bastidores da notícia e todo trabalho que envolve a realização de uma reportagem, o programa é sem dúvida alguma um dos poucos redutos do bom jornalismo na televisão brasileira atualmente. Imaginar que uma senhora de 74 anos, que já viveu e passou por muita coisa na vida precisa se prostituir por trinta reais, como ela conta na reportagem, é algo triste que chega a doer em pessoas que ainda têm um mínimo de sensibilidade. Não estou encontrando palavras para expressar minha indignação e tristeza perante uma história como essa, que país é esse onde as pessoas têm que se submeter a situações tão humilhantes simplesmente porque não encontram outra forma de sobreviver a essa selva na qual vivemos, que país é esse que não respeita seus idosos, que têm homens capazes de usar e abusar de alguém que deveria estar tendo uma velhice digna e serena, como ela realmente tem que ser. A prostituição é algo conhecido pela grande maioria dos brasileiros, mas, as suas distorções são algo impressionante. Estas distorções acontecem quando ela envolve jovens e idosos, nestes casos o que já é algo degradante torna-se simplesmente indefinível, insuportável, revoltante.
Esse mundo me surpreende e me impressiona cada dia mais, não há sequer palavras pertinentes para descrever essa nossa caótica realidade. Peço que algum ser superior ou alguma divindade proteja Dona Rosinha porque nesta terra de loucos não sei mais para onde implorar por um pouco de lógica, humanidade e, principalmente, bom senso. A única certeza que tenho em relação às pessoas é que elas precisam viver com dignidade. Dona Rosinha admite no final da reportagem, com a voz meiga e os olhos cansados, que lhe são característicos, que não é feliz. Não esperava outra resposta de alguém que, além de viver sozinha, sem ter qualquer espécie de conforto e proteção familiar, tem que encarar uma realidade tão fria que chega a doer, tão degradante que deixa um vazio nos olhos de Dona Rosinha, olhos de um personagem deste mundo que teve sua vida roubada e não pode sequer desfrutar da serenidade e dignidade que qualquer ser humano merece em sua velhice.

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