sábado, 26 de setembro de 2009

Vida



Ah! Como bem me deixas, como em ti existo, como em ti vivo, brilhante, eterna...
Ah! Como fazes de meus dias algo sublime e indefinível,
porque és essência literatura,
não aparência.

Porque és vida, vida suspensa.
Porque elevas os que de ti se atrevem a falar,
preenche, canta, grita...
Constrói e desconstrói.

Ah! Como em ti eu sorrio,
como a mais trágica e bela das histórias de amor,
como se tuas letras fossem escritas em meu corpo,
esculpidas em minha alma,
traduzidas em minha mente,
letras escritas sobre minha pele eternamente.

Ah! Como me apresento nua ao teu feitiço,
que me seduz, me acompanha.
É mais do que uma sombra.
É a realidade minha, íntima, complicada, dramática.
Foi e será minha quando tudo o mais me abandonar.

Deixem-me só com meus livros.
Não preciso de mais nada.
Neles encontro vida, morte,

angústia, leveza, sonoridade, drama, esquizofrenia, cheiros, cores, conflitos, humanidade, história, fala, olhares, crimes, imaginações, caos, animalização, secura, densidade, leveza, poesia, facilidade, completude, peculiaridade, metáfora, personificação, linguagem, sentidos fluídos e tantos quantos forem meus sentidos confusos e benditos.

Vivo por ela.
Para ela.
Nela.

Nada mais me importa.
Dela me sustento.
Dela que faz minha vida abstrata e concreta.

Literatura intensa!

És a ti que falo.
És a ti que ouço.
Meu ideal.
Como a derradeira palavra que escrever sob meus pés,
como o beijo que sacode minha alma,
suspira no meu ouvido um canto que me evapora.

Embriague-me loucamente.
Quero me exaurir de linguagem.
Quero ter o corpo todo por letras coberto,
como a moça de Budapeste.

Ninguém me escreverá como ela.
Meu destino, minha cólera, náusea, alegria, coragem, essência, nostalgia...
Por letras sou constituída.
Sempre só a elas realmente volto.
Elas são minhas, porque sou delas.

E estes devaneios se confundem, na metalinguagem pressuposta, no disfarce plantado, na autenticidade sentida, na coragem de ser e viver você mesmo que se faz admirada, na literatura que em mim existe, na literatura na qual existo. Sorva-me por inteiro para que não reste nada que não seja letra, amor e folhas espalhadas, sorva-me com a intensidade com que a terra sorve a água, com que a ressaca do mar atrai o mundo e a praia.

Preto no fundo branco.
Onde os corajosos,
fazem morada!


quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Espetáculo

E sem dúvida o nosso tempo...prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... Ele considera que a ilusão é sagrada, e a verdade é profana. E mais: a seus olhos o sagrado aumenta à medida que a verdade decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que, para ele, o cúmulo da ilusão fica sendo o cúmulo do sagrado".

Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo

sábado, 19 de setembro de 2009

Ensaio em Vermelho


Penso em tons de cinza,
em cheiros de passos em silêncio,
em aromas traiçoeiros,
em notas sonoras.

Penso em tons de branco,
em reunião de sonoridades mudas,
em pedaços de tantas cores,
em rugosidades tortas.

Penso em tons de vermelho.
em dramas e sensações completas,
em arrepios inebriantes,
em como me faço sacudidora de palavras mortas.

...palavras em tom vermelho.
...palavras em tons de dor,
infância, nostalgia.
...palavras em tons de amor,
desejo, alegria, completude.
...palavras em aromas de paz,
texturas do desespero.
...palavras em tons de coisa fugaz,
como o dia que se vai
...em cores intensas
...sabores marcantes
...sentidos eternos
...pele mansa e palavra,
com alma crepuscular e densa.

M.V

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Feiticeira - Parte 2



Nunca tinha visto esse olhar em ninguém e ele nunca me saiu da lembrança. A feiticeira estava congelada diante da infância como se esta última, dela tivesse sido roubada cruelmente. Não conteve as lágrimas que corriam pela sua face, que a mim eram doloridas, como se minhas fossem. Não conteve um arrepio que imagino ter percorrido todo seu corpo já que ela foi acometida visivelmente de uma grave inquietude, chegou a deitar no banco, colocar a cabeça entre as pernas, levantar e ameaçar ir embora, para depois voltar novamente ao banco de todos os seus misteriosos dias. Em um curto espaço de tempo, parei de olhá-la, desviei-me para as crianças a fim de acalmar meu coração.
Quando a fitei novamente, seguia olhando a dinâmica das brincadeiras, absorta, até que em um movimento rápido e brusco levantou-se do banco e saiu correndo. Enquanto corria, as crianças saíram a segui-la. Pareciam ter gostado da visitante tão efêmera e, ao mesmo tempo, tão permanente. Mas ela corrida demais, os meninos e meninas da praça não a alcançaram, assim como meus olhos também já a tinham perdido de vista e jaziam agora desolados e desintegrados. Foi quando de um salto levantei-me, saí de minha condição de abandono e prostração. Fui ter com o banco onde a feiticeira há pouco sentara quando as vozes das crianças já não se ouviam, a noite já era alta. Busquei algum vestígio que fosse, um cheiro, uma respiração, um suspiro de sofrimento do meu reduto labiríntico de sedução. Olhava sem saber ao certo o que olhava e não encontrei nada.
Nada me era demais, queria algo dela, precisava entender ao menos uma ponta daquele mistério insinuante que eu imaginava perfumado e intenso. Sentei no banco dela, naquele banco que era só dela, que existia nela, o banco era ela, e neste estado de combinação fantástica e personificação absurda entre mulher e banco, abstrato e concreto, a noite alta começou a verter água do céu.
A chuva molhava-me por inteiro e assim deixei-me por ela embriagar. Foi quando senti por entre meus dedos deitados sobre o banco, a textura de um pedaço de papel. Voltei-me a ele, assustado, ansioso, sem saber, no entanto, do que aquele pedaço de papel se tratava. Poderia ser um folheto de propaganda, mas meu coração dizia que o papel era dela. Ele estava dobrado, delicadamente dobrado na forma de uma flor. Tinha formas perfeitas, harmônicas, sedutoras e um perfume que nunca antes havia estado diante de meu olfato frágil. Com movimentos hipnotizados, fui desmanchando a flor e à medida que ela desabrochava apareciam diante de meus olhos molhados letras borradas, úmidas e delicadas.
...“fugistes de mim como agora corro de ti, infância cheia de dignidade.” Enquanto lia, revia mentalmente aquela que outrora correndo fugira. Já estava encharcado de chuva, doente não poderia ficar, decidi, portanto, voltar depressa já que no outro dia no meu banco gostaria de estar para contemplar novamente este banco aqui de cá.
Banco de mulher que eu nem sabia o nome, banco de mulher que correu deixando uma flor, uma flor que guardava entre suas pétalas de papel aquilo que não se vende nem se compra, aquilo que do ser humano é o grau último e supremo - a dignidade que brota na infância e queima feito fogo no coração de poucos. Para não me molhar ainda mais, tomei a flor e saí correndo pela fileira de oito bancos rumo à minha casa. Nos seus olhos um brilho, no coração, as fantasias e insanidades de um feitiço.


domingo, 13 de setembro de 2009

Rabiscos

Jardim Botânico, Curitiba - SP


Saudade dos tempos onde, vã que fosse, alguma lógica restasse. Saudade da vida que algum dia, nesta terra de loucos e insanos, dever ter-se feita digna e pura. Saudade dos sentimentos que hão de ter sido bons, sadios e firmes. Saudade de uma igualdade que um dia por estas terras deve ter passado, portadora de honras e gratuidades. Saudade da beleza primitiva, que se faz bela pelo belo que faz, que se faz eterna pela intensidade das marcas que deixa ao passar. Que se faz misteriosa no instante do olhar.


Saudade de um mundo menos podre, mais generoso. Os homens devem ser de todo muito maus para que desgraças e humilhações não cessem de por aqui passar. O mundo é obtuso, dói, as pessoas não se importam, simplesmente não se importam. Os palcos estão vazios porque as pessoas nele habitam vazias, as letras estão pobres porque os que as escrevem estão cansados de falar inutilmente. A poesia solta um grito mudo e abandonado, porque seus versos não são por estes cantos crus e incongruentes apreciados, cantados, desintegrados.

Perdemos as pessoas sem antes tê-las e vivemos com medo de perdê-las. A morte desce implacável sem chance de salvação. Não sei se suportarei o mundo por muito tempo. Ele me é dolorido e distante, com alegrias que o tempo faz passar rápido demais. Não sei se sobreviverei a essa lógica industrial, a essa vida mecânica, a esse tempo que me esmaga e sufoca. Não tenho estrutura emocional para momentos que minha mente imagina, não tenho força para viver escondida.

A solidão espera-me insistente, o drama espera a todos. Que a ilusão conforte os corações superficiais de nosso tempo, um tempo cada vez menos nosso. Que a esperança anestesie os corações dos que sofrem. Tenho saudade de uma saudade que nem sei se existiu, de um tempo que eu prefiro acreditar que um dia a estes seres atormentados abrigou. Seres tão pequenos diante da morte, fascinados e engolidos pela vida.

Para todos os efeitos só nos restam os sonhos, fico com eles, um espaço onde vivo o quê quero, como quero, com a liberdade e o tempo que quero – infinito e sublime como nenhuma realidade jamais será.


Ópera de Arame, Curitiba -SP

sábado, 12 de setembro de 2009

Feiticeira - Parte 1



A feiticeira era portadora de uma beleza insinuante, de um sorriso misterioso, de um olhar nu e desarmado. Era alguém que parecia ter perdido algo. Sabia, pois quando a observava algumas vezes, sentada no bando da praça, percebia em seus olhos aquela marca da perda, reconhecida apenas por quem já a viu em seus próprios olhos. É uma sensação estranha, nos sentimos como que invisíveis, como se não tivéssemos um corpo.
Todo o dia sentava-me no mesmo banco da praça e ficava a olhá-la. O banco era o terceiro de uma fileira de sete. Era igual a todos os outros, mas o melhor para vê-la. Além disso, perto dele havia uma árvore que me cobria com uma fresca e aconchegante sombra, dando-me a sensação de que a sombra impedia que eu fosse visto pela outra que tanto me fascinava.
Ela se sentava todos os dias, no mesmo horário, sempre no fim da tarde, também no mesmo banco. Era o quarto de uma fileira de oito, justo aquele que se posicionava bem em frente ao meu, já que o caminho dos meus bancos começava um pouco depois que o caminho dos bancos dela.
E assim passavam-se os dias e lá estava eu, sempre nos fins da tarde, quando o céu começava a se tingir de um apanhado de cores mágicas, alaranjadas, avermelhadas, escuras e claras. De todas as despedidas esta sempre foi a única que me fascinou. A despedida do dia que abre lindamente suas portas para que a noite entre com toda sua negra majestade. Além disso, ela sempre me trouxera algo, enquanto que todas as outras sempre me levavam alguma coisa, sempre me deixavam só, vazio e perdido. A despedida do dia me trazia a feiticeira de meus olhos, dona dos mais profundos e insanos de meus pensamentos.
Não sabia o porquê de sua ida à praça todos os dias. Simplesmente a vi certa vez e tive uma daquelas visões das quais a gente não esquece jamais. Voltei no outro dia instintivamente, e no outro, e no outro, e meus olhos sempre a encontravam.
Nada sabia de sua história, apelidara-a de feiticeira, mas tampouco sabia se o era ou não. Para mim, ela era uma feiticeira posto que sorvera meus desejos e minha alma, como a terra sorve a água. Ela me atraía, me enfeitiçava, era algo que eu não sabia explicar, simplesmente olhava e existia nesse olhar.
Poucas vezes ela olhava para mim, aliás, nunca soube dizer para onde ela olhava. Tinha sempre um olhar longo, triste, melancólico. Era como se refletisse sobre sua própria tristeza e reparasse em algo que só ela poderia ver dentro do espectro de sua história.
Certo fim de dia, sentei no banco e postei-me a contemplá-la como sempre o fazia. No entanto, a atmosfera era outra neste certo fim de dia. A praça estava agitada, crianças corriam para todos os lados, gritavam, choravam, cantavam, faziam brotar toda aquela alegria inocente que lhes é típica. Não havia dado tanta importância aos sons da infância até que percebi como eles chamavam a atenção de minha feiticeira. Pela primeira vez, seus olhos olhavam algo que também estava ao alcance dos meus. E olhavam de modo fixo, reflexivo, quase que agonizante e desesperado.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Provocações Literárias

“Toda a história era tão bonita que qualquer um preferiria que fosse verdade”.

“O jornalismo literário é como um mosaico discursivo, nele está implícito uma riqueza de pontos de vista”.

“Toda história que se conta é sempre uma história de amor, interpretamos a história por trás da história às vezes como uma impossibilidade de comunicação no contexto de nossos impulsos freudianos”.

“A literatura sempre traz com ela o amor”.

Por que o enredo, a história, deixa de ser valorizada na literatura em detrimento da linguagem?

Ultrapassar as simples dicotomias do cotidiano, algo como valorizar uma história. O que faço eu, jornalista, a não ser contar e ouvir histórias?

Segundo Mark Kramer, são oito os elementos do jornalismo literário:
Autoral
Mergulho no assunto em pesquisas
Estabelecimento de pactos claros com os leitores e as fontes
Em geral se escreve sobre fatos rotineiros
em voz íntima, informal
com estilo claro e respeitoso
Ponto de vista móvel, sem preconceitos, página em branco
Desenvolvimento de sentidos

O Globo Rural é um exemplo de jornalismo literário em mídia eletrônica. Entre 2008 e 2009 foram exibidas 135 reportagens especiais. Isso acontece já que o programa é exibido em um horário onde não há tanta pressão no ibope, além disso há uma continuidade na direção e o repórter cuida de todo processo de produção, desde a pauta até a edição final.

Desconstrução de mitos: existe vida inteligente e literatura pode ser feita na TV.

Quando dizemos que o jornalismo literário é autoral, o que dizer do jornalismo? Ele também não é algo autoral? Quais fatores mediam a denominação de autoral no literário?

“Todo amor é uma narrativa mediada por expectativas”.

Para Edvaldo Pereira Lima, o jornalismo literário deve adquirir um novo enfoque: ver a realidade de uma maneira complexa.

Jornalismo Literário e Meio Ambiente:
De que forma as matéria de meio-ambiente estão sendo feitas? O quê e como as coisas são mostradas? Gera-se um sentimento de que algo pode ser feito ou as notícias são alarmantes e só?

J.L
Ter cheiro de rua
Criar novos sentidos para o leitor
Beber de várias fontes
Se humanizar
Encontrar soluções? ..... Narrar um problema, no entanto, já é um caminho para a solução.

ARQUÉTIPO X ESTEREÓTIPO (J.L)

Fonte: que fontes usar para desconstruir estereótipos?

As mulheres fazem melhor o jornalismo literário, isto porque a área do cérebro feminino responsável pela linguagem, associação e construção de sentidos é maior do que a do cérebro masculino.

“É preciso sujar os sapatos, ir onde as coisas acontecem”. Sérgio Vilas Boas

De textos pausterizados e superficiais, é difícil surgir algo parecido com CONSCIÊNCIA.

Criatividade
Imersão
Humanização

No J.L o que uma pessoa PENSA e SENTE é notícia.

O J.L é uma forma de traduzir o ambiente cognitivo em linguagem, em narrativa, e de transportar as pessoas para lá”.

SEDUÇÃO pela PALAVRA.

J.L não é entretenimento.

PERSONAGEM, superar divisões maniqueístas...

Há sempre um PROPÓSITO, nenhuma narrativa é ingênua.

Quase como uma CARTOGRAFIA DO DESEJO (Felix Guattari - Suely Rolnik)

As coisas não devem ser absolutas, temos uma série de ferramentas que podemos usar conforme elas sejam adequadas. O lead é essencial, assim como as narrativas além dele.

Apego ao lead, pressão da periodicidade, não existem no J.L. Uma boa história pode ser narrada a qualquer momento, mas se faz importante conhecer e saber usar os dois conceitos.

O J.L faz com que a ficção sirva a certa realidade, desta se fabrica a ficção, que se volta à realidade.

REALIDADE e EXATIDÃO não existem. A IMERSÃO é o melhor caminho.

Mostre-me, não me induza. ENVOLVA-ME

Jornalismo Literário é preciso, o mais impreciso é aquele que não se diz literário.

J.L é linguagem, riqueza da construção do texto, profundidade, evaporação do humano, do lúdico, do fantástico, do tudo e do nada...

E para os que insistem em verossimilhança...
...não há nada mais inverossímil que a realidade e nada mais verossímil que a ficção.

Seduzimos estamos pela palavra, pela mais bela das histórias de amor.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Estado de Alma


Conturbado
Desintegrado
Apertado
quase que bombardeado

Abandonado
Desiludido
Amargurado
quase que destroçado

Interrogado
Exaurido
Cansado
quase que assustado

Tinha sono naquela manhã. Um sono forte e irritante, posto que não se cansava de aparecer e forçar os olhos a se fecharem. A visão embaralhava, o corpo doía, a mente perdia a linha dos seus pensamentos. O sono controlava o corpo sem piedade.
Como queria fechar os olhos, deitar, ouvir apenas esse ligeiro sussurro da mídia, agora cada vez mais mudo e inexpressivo.

Olha-me e entendo-te
Pensa-me e realizo-te
Devora-me e embriago-te
Esqueça-me e lembro-te
Evolva-me e fascino-te
Leva-me e carrego-te
Beija-me e amo-te
Enlouqueca-me e realizo-te
Descubra-me e navego-te
Encontra-me e perco-te

Apelos insanos

Sorrisos sem idade
Eu e tu em uma eterna
Sincronicidade

M.V

sábado, 5 de setembro de 2009

"Busquemos uma vontade de comunicar e não simplesmente informar"



Dominique Wolton, sociólogo francês




O sociólogo francês e membro do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, Dominique Wolton, falou ontem à noite a cerca de dois mil participantes na abertura do Intercom, XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, que acontece em Curitiba dos dias 4 a 7 de setembro.
Dominique falou sobre a comunicação como valor democrático e grande questão política do século XXI e enfatizou, em vários momentos, a diferença entre a informação e a comunicação, afirmando que a grande descoberta do século XX é que temos muita informação, mas não nos comunicamos de fato.
Diante disso, o sociólogo enumerou algumas dificuldades instaladas na sociedade contemporânea que impedem uma comunicação que tenha como objetivo maior o conhecimento e não a simples troca alucinada de mensagens.
A primeira delas diz respeito à dificuldade do homem em tolerar e conviver. Se não há convivência, não há possibilidade de comunicação, assim como não há democracia sem comunicação e a democracia pressupõe justamente valores que orientam uma boa convivência, como o respeito ao outro e a negociação pura e simples, em busca da aceitação dos valores do outro. O Brasil é citado por ele como sendo um exemplo de lição política e de convivência.
A segunda dificuldade diz respeito à ausência de um espaço político efetivo. Segundo ele, vivemos em um mundo onde a imprensa se instaura, há uma participação cada vez mais ativa da opinião pública e a comunicação política se impõe como motor e cerne da democracia, uma comunicação que não é marketing e sim condição para o seu funcionamento.
Ao mesmo tempo, ele ressalta que vivemos um modelo de democracia de massa, com um sufrágio universal contraditório e uma comunicação que se faz contraditória dentro da lógica globalizada.
A globalização por sua vez, segundo Dominique, veio depois do fim do comunismo e inaugurou a era da multipolaridade do poder no contexto de um mundo sem regulação, onde a produção e difusão de milhares de informações não basta para que ocorra a comunicação, já que, neste ponto, surge a potência da alteridade, ou seja, o peso do outro que nunca está totalmente alinhado com a nossa opinião.
O fato é que a mídia, segundo o sociólogo, se constitui como uma "mídia come tudo", em outras palavras, os espaços midiáticos são superiores aos políticos, há um reforço da mídia e da opinião pública e um enfraquecimento do peso político. Com uma política enfraquecida, a relação entre os homens, objeto primeiro desta, também se enfraquece. Se, no pensamento de Dominique, para ocorrer a comunicação a figura do outro e as relações humanas são essenciais, com um espaço político enfraquecido gera-se uma grande dificuldade para que a comunicação aconteça de fato.
Outra contradição apontada por Dominique existe entre a velocidade da informação e a lentidão na comunicação, já que para esta ocorrer os homens precisam se compreender e isto não acontece, pois a política é falha, como dito acima.
O comunitarismo também é apontado por ele como uma ameaça ao estado nacional, alimentando a ilusão interativa criada pela internet e dificultando a comunicação. A ilusão que temos de transparência também dificulta a comunicação segundo Dominique, já que ter transparência não garante efetivamente uma melhor compreensão da informação.

Mas o quê fazer para salvar o lugar da comunicação e o modelo democrático?

- primeiramente, entender a comunicação como uma relação mais complexa que a simples mensagem divulgada e transmitida.
- olhar a comunicação como algo essencial para o ser humano que pressupõe duas atitudes básicas e primeiras: a negociação e a convivência para garantir o mínimo de equilíbrio na organização social, em um contexto de globalização cultural, não só econômica e política.
- lutar contra a ideologia da técnica. Dominique diz que transferimos toda deficiência na comunicação para a performance técnica, enquanto que, na verdade, na comunicação o mais complicado não é a técnica e sim o homem. O homem pode ser ruim ou bom com a técnica, no entanto, esta é sempre neutra. Portanto, seja qual for a performance das ferramentas, o social é sempre mais complexo.
- enfatizar o papel da comunidade internacional e levar a política para a internet, implantando um direito relacionado a ela no âmbito da Lei Democrática Mundial.
- construir zonas regionais de convivência política, passar do mito da Aldeia Global para a tragédia da Torre de Babel. Um exemplo citado por ele é a União Europeia, modelo de convivência política que pode ser inventado.
- reforçar espaços públicos nacionais e reduzir a concentração da indústria cultural e do conhecimento em nível mundial.
- revalorizar e defender a profissão de jornalista, reduzindo a demagogia de que não precisamos mais de professor, jornalista ou médico na sociedade da informação. Esta não é uma sociedade onde todos fazem tudo e sabem de tudo, mas onde se valoriza o papel das mídias intermediárias.


Momentos de Dominique:

"Devemos nos constituir como seres sociais, não técnicos."
"Compreender que não compreendemos o outro, só assim pode existir respeito e a percepção de que não há uma hierarquia de culturas."
"O homem precisa ter cuidado para não ser vítima da própria vitória. Somos mais complicados que um computador. Guerras são fenômenos políticos, humanos, não técnicos."
"A evolução técnica não extingue a matança no mundo, os homens continuam a matar-se uns aos outros, aí entra a convivência, elemento indispensável para a paz. Se quisermos paz devemos considerar o humano além da técnica e praticar uma palavra que talvez nunca tenha sido valorizada e considerada na história da humanidade: tolerância."
"Busquemos uma vontade de comunicar e não simplesmente informar."
"Que os homens pratiquem o reconhecimento de uma alteridade que não rompa o laço frágil do amor. Este pode parecer pouco, mas é tudo, e quando ele acaba não resta nada. Por isso, toleremo-nos e busquemos uma verdadeira educação política."

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Poesia e Crônica, Literatura e Paixão


Em tempos quando se discute fotografia nos espaços da universidade com a terceira edição do Seminário Imagem e Atualidade da PUC-Campinas, realizado no mês de agosto, estive pensando em como somos, atualmente, atraídos por uma verdadeira ressaca de imagens sem olhá-las de maneira crítica e reflexiva e, ao mesmo tempo, tentei encontrar a origem de tanto fascínio e fixação pelo instante fotográfico.
O primeiro flash da fotografia, antes de qualquer disparo de luz, passa pelo tempo. A fotografia fascina porque consegue oferecer um alívio para o frenético passar deste tempo que tanto nos sufoca, anulando a sua efemeridade e congelando-o dentro da lógica de uma realidade enquadrada. A imagem fotográfica emociona ao dialogar sorrateiramente com a saudade.
Além disso, a fotografia pode refletir várias cores e tons. Ela pode ter os recortes da natureza, a essência do humano, a estética e a inspiração da arte, as luzes e as sombras da vida. Ela se faz individual e também universal, bebe de todas as fontes da realidade, desta realidade que pede para ser vista, registrada e revelada ao mundo. Uma realidade que produz cenas dramáticas e incrivelmente belas.
A sequência de flashes fotográficos produz por fim a imortalidade do fotógrafo que vive na sua foto, assim como o escritor vive no seu texto, o compositor na sua música, a vida no seu desespero. A foto não só congela o tempo, como também o ultrapassa, alcançando os ares sublimes da tão sonhada imortalidade.
A filosofia da caixa-preta não para, porque as lentes a captar o mundo seguem como uma matéria viva e aliciante, produzindo imagens que contam criativamente a sua história. Cabe a nós o desafio constante de lê-las, seja no espectro das cores ou nas situações limites que configuram a pureza do preto e branco.

M.V


* para os que ligaram perguntando não me utilizei de "outros meios" para escrever a crônica, é tudo uma questão de inspiração mesmo, mas como diz uma amiga "aí vai de cada um rsrs..."