terça-feira, 30 de março de 2010

Wifredo Lam – O Sonho dos Trópicos em uma porta ao lado de Andy Warhol na Estação Pinacoteca

Na Estação Pinacoteca - antigo Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) de São Paulo, órgão de repressão política que teve o ápice de suas atividades durante o regime militar (1964-1985) - não confundir com a tradicional e bela Pinacoteca, o público encontra uma das exposições mais comentadas, divulgadas e procuradas dos dias recentes. Trata-se da individual do artista norte-americano, símbolo da pop-art, Andy Warhol.
A publicidade em torno da exposição de Andy Warhol diz que se trata da maior exposição do artista já montada na América Latina", mas o que se vê dá aquela sensação de “pensei que fosse mais”.
A exposição parece ser melhor quando se lê sobre ela, sobre a importância que Warhol teve para sua época, sobre seu olhar de vanguarda, sua capacidade de antecipar tendências futuras, mas quando se vê de perto, falta algo que emocione, que revele um caminho verdadeiramente artístico. No entanto, se os comentários o atraírem, caro leitor, para a individual de Andy Warhol, vá e se sentir que as produções do americano não lhe trazem nenhuma nova e profunda sensação, entre por outra porta, em uma na qual há uma inscrição tímida em um dos cantos dizendo “Wifredo Lam”. Não, não vá embora, abra esta porta:
Eis o mundo desse outro pedaço de chão...

La Jungla

Femme Assise

Zambezia, Zambezia

Les loa petro enfantent dans la danse

Soeur de la gazelle

Untitled C

Untitled A

Nativité

Annonciation


As linhas, os contornos, as cores, tudo revela uma estética que vai além do surrealismo. Há algo de sexual, de onírico, há um prazer disfarçado, uma verdade escondida, por vezes, revelada. A sensação é de leveza, tal como um voo a desprender quem olha do chão, a aproximar quem vê do infinito ou de algo mais imenso, largo, flutuante... Mágico! Um feitiço que resvala abertamente na criatividade, imaginação levada até o ponto onde ela se faz necessária, em hipótese alguma excessiva ou ridícula. Uma tragédia escrita com formas e detalhes na medida certa. Nada sobra, tudo transborda. A estética da obra de arte provoca o extravasamento, a saída e o reconhecimento de si mesmo. Há algo de romântico misturado ao surrealismo. Uma pincelada emotiva, imaginativa, uma preocupação com a forma equilibrada com uma busca pelos sentidos, pela emoção genuína e primitiva. Ao olhar já se reconhece o estilo, a dádiva de ser original, a "mimesis" grega talvez até tenha existido na construção dessas obras, mas no sentido de tomá-la para ir além da pura e simples imitação, a originalidade está em olhar o que já se construiu e pensar em algo novo, algo autoral. Arte é estilo, nada mais que isso!
Wifredo Lam (1902-1982),artista cubano, viveu por um tempo na França onde sofreu influência tanto de Picasso como da estética surrealista, foi um pintor capaz de sintetizar os elementos culturais de uma América genuinamente diversa - que era folclore de um lado e autêntica vivência popular e forma de representar o mundo de outro - tão plástica, mística e surreal. Daí, algumas características que marcam a sua produção artística.
Sem ele, talvez teríamos, nós, habitantes da América, ficado sem uma perturbadora e profunda visão de nós mesmos, de tudo aquilo que temos de belo e fantástico. Lam absorveu, como nenhum outro artista, a força literária do surrealismo, deu lugar na sua obra para que irrompesse a voz e força do oprimido e não se contentou com lugares comuns, deu ao povo um espelho salpicado por cores para que nele enfim tivéssemos uma visão de quem realmente somos.
Ficamos tímidos diante das gravuras de Lam, o surrealismo nos bloqueia, sua realidade nos parece muitas vezes distante, estranha. Wifredo Lam funciona também como um sintoma da plasticidade imaginativa que nos marca, desta dificuldade que temos em nos libertar de nossa, algumas vezes besta, racionalidade.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Aparição

surgiu-me
entre o cansaço
peça solta na multidão
depois de tanto tempo
justo aqui
e não senti tanto
agora mesmo já o esqueci

quinta-feira, 25 de março de 2010

Musique é o novo espaço do Caderno 2+Música do jornal O Estado de S. Paulo, um encontro entre o revelado e o escondido

Arnaldo Antunes

O caderno 2 +Música do jornal O Estado de S. Paulo estreou hoje o espaço Musique, um espaço muito interessante não só por divulgar a obra de importantes e criativos compositores brasileiros, como também por permitir a participação dos leitores e oferecer um caminho para que talentos da música se façam visíveis e tenham a oportunidade de musicar a composição de nomes consagrados no cenário musical brasileiro, daí o nome Musique.

Em uma segunda etapa, o projeto Musique se inverterá, ao invés de melodias serem enviadas por anônimos para completarem as letras de compositores famosos, o espaço dará oportunidade para que letristas desconhecidos enviem versos que vão se combinar a uma melodia composta por artistas conhecidos.Abre-se, portanto, espaço para que o público participe tanto com a letra quanto com a melodia.

São iniciativas como essa que fazem com que a cultura se popularize, torne-se mais próxima do público e aconteça no mesmo movimento em que oferece espaço e oportunidade para que os talentos que andam por aí aos montes, sem serem notados, sejam por fim vistos, ouvidos, sentidos, contribuindo para tecer essa teia fascinante e transformadora da cultura brasileira.

Esse é o papel da mídia no nosso país, mediar os conflitos sociais, refletir as entrelinhas da sociedade e dar espaço para aquilo que nos transforma, faz de nós seres potentes, conscientes dos próprios desejos, elevados em nossa sensibilidade: a cultura, o movimento estético e belo da arte.

Em matéria publicada no site do jornal, o leitor encontra todas as informações necessárias para poder participar do projeto do espaço Musique.
A letra publicada nesta primeira edição é uma composição inédita de Arnaldo Antunes, simplesmente impecável. Os versos que você vê a seguir aguardam uma melodia, quem se habilita?


Planta colhe, de Arnaldo Antunes

o arroz
que se planta se colhe
o amor
que se planta se colhe
o que vai
volta um dia mais forte
o que fica
escondido explode


o feijão
que se planta se colhe
solidão
que se planta se colhe
se fugir
a estrada te escolhe
e o destino
também não dá mole


ao redor
pra onde quer que se olhe
a saída
é uma porta que encolhe
aflição
que se planta se colhe
algodão
que se planta se colhe


se cair
nessa chuva se molhe
sempre há sede
pra dar mais um gole
toda culpa
se planta e se colhe
na garupa
do tempo que corre


cada grão
que se planta se colhe
furacão
que se planta se colhe
cada um
inaugura sua prole
pedra dura
procura água mole


tudo vem
quando o tempo é propício
todos têm
sua porção precipício
o que sabe
não busca sentido
o que sobe
retorna caído


ilusão
que se planta se colhe
confusão
que se planta se colhe
num segundo
o desejo te engole
só não corre
esse risco quem morre

Vestido Verde


Daria tudo por uma alma mais simples,
que fosse como um vestido discreto,
um traje inconscientemente completo.
As cores seriam básicas e uniformes,
as linhas retas, sem desvios,
o tecido sem marcas,
exuberantemente reto.
A textura seria macia e diáfana,
do tipo que se vê o outro lado,
do tipo que não se esconde do inesperado.
Também penso em alguma estampas,
mas não de bolinhas,
muito redondas, muito círculo viciante,
podem ser estrelas,
bastante, salpicadas,
bordadas com lantejoulas verdes,
as lantejoulas do baile verde,
ou das festas de minha infância,
podem ser o destino é quem manda.
Estrelas com lantejoulas,
tão lindas, tão simples,
meio tontas, meio comovidas.
Estrelas as quero por que brilham,
são luz sobre a vastidão negra,
no meu vestido são lembranças de outrora
salpicadas sobre um tecido cheio de cor,
mudo e sem demora.
Meu vestido pode ter todas as cores,
menos o preto.
Já sou muito negra,
só uso preto,
eis uma obsessão que nem sei da onde vem,
talvez seja a roupa de minha alma,
a cor com que ela no movimento da intuição
goste de vestir sua forma física tão banal.
De todo não quero buracos,
que o vestido venha bem aparado,
cergido, costurado, remendado,
de esburacamento de alma já estou farta.
Quero tudo preeenchido,
mas não com muitos sentidos e explicações,
prefiro as fábulas e as imitações.
O vestido poderia mostrar minhas pernas,
um pouco dos braços,
deixar fluir o arfar dos seios,
me deixaria livre,
brilhando feito estrela,
alegre feito lantejoula,
simples feito uma mulher
como qualquer outra.
E quando eu colocar o vestido?
Vou mandar fazer,
vou desenhar,
quero o vestido já,
quero ser simples,
alegre, cheia de estrelas e estilo.
É só meu corpo tocá- lo e serei outra
com certeza serei
não venham me dizer que não.
Imagino-o leve sobre minha alma pesada,
ele há de torná-la tão leve feito pluma.
Mas vou falar para a costureira pregar bem as lantejoulas
não quero lantejoulas caindo,
pedaços de infância pelo meio do caminho,
já perdi muitos pedaços na minha vida,
por caminho de desatino.
Nesta nova vida não aceito restos por aí
quero tudo comigo,
melhor talvez não deixar marcas
em seres já tão marcados.
O vestido andará comigo
por toda minha teia dividida
até o último derradeiro dia
quando só então
poderei dizer
se fui feliz ou não nesta vida.

M.V

quarta-feira, 24 de março de 2010

Do nada


Igual à música que te quis contente,
minha mente some inebriada,
a voz se faz muda e desamparada.
Não esperava aquela emoção.
Despejos de reticências do abandono,
gritos e tremores sem nome,
apenas sentia sem saber o que.
Era mais que um cansaço,
menos que uma revolta,
algo parecido com desejo e amplitude.
Sem tempo, o corpo se fez elevado,
nada mais separando o escrito do lembrado.
Vieram as palavras,
último sopro de uma lágrima,
sublime ou amaldiçoada.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Um pássaro negro

Hieronymus Bosch


as letras engolem meus dias
len-ta-men-te
naturais

salto da minha alma pra sua
mar-ca-da-men-te
desigual

rimo meus versos sem nexo
a-lu-ci-na-da-men-te
sensuais

tento esquecer aquela cena
in-sis-ten-te-men-te
surreal

busco romances em mim mesma
es-va-zi-a-da-men-te
banais

refogo o destino sem pressa
pen-sa-ti-va-men-te
abismal

separo as letras
me-ti-cu-lo-sa-men-te
e ainda me falta o final

quarta-feira, 17 de março de 2010

Mosaico



vejo demora
que não mora
nela
tampouco em mim

vejo sombras
que não são negras
brancas
tampouco ausentes de fim

vejo afinidades
que não têm idade
bela
tampouco ela é enfim

terça-feira, 16 de março de 2010

Romantismo - A Arte do entusiasmo , Van Gogh - A Arte da eternidade

O cotidiano às vezes se apresenta cansado, cinzento, mudo. Parece estar existindo com pressa, diluído, espetacularizado, sem rumo...
O cotidiano às vezes aparece belo, simples, inebriante, doce e regado por uma inesperada graça da infância. A vida vai se confundindo, as cenas se entrelaçando, as teias vão sendo tecidas ao acaso, ao sabor do oceano obscuro onde está firmemente ancorado o destino.
E quando os olhos já estão cansados, o espírito sedento sem saber qual é o nome ou a forma de sua sede, os movimentos lentos e entrecortados, alguém, um dia, pinta o mundo com cores primitivas. Olha os recortes da paisagem com olhos puros e sensíveis, percebe as coisas além da tangível superfície, representa as cenas com uma realidade ainda maior, realidade confundida com a fantasia, fantasia impressionada com a realidade, traços camuflados em saudade, saudade salpicando em pontos suspensos e inertes. Faz-se um estilo acima de todos os limites e regras, um método que não é método e paira sozinho, um tom de romance, de doçura. A promessa do novo, a certeza de que, como diz a canção, o novo sempre vem e, melhor ainda que venha romântico...
Romantismo – A Arte do entusiasmo é o tema de uma exposição com 79 obras do Museu de Arte de São Paulo (MASP) que têm em comum ideias e a estética do romantismo. São pinturas e esculturas de 63 artistas. A justificativa para a exposição parece ser um pouco abrangente, mas a mostra reúne alguns dos melhores trabalhos do Acervo do Masp e, além disso, traz ao público obras de mestres como Hieronymus Bosch, Amedeo Modigliani, Van Gogh, além de impressionistas franceses como Edgar Degas e Paul Cézanne, este último já foi tema de um post aqui do Impressões sobre a sua estética do inacabado.
Entre tantos nomes que estarão reunidos na mostra, o Impressões decidiu dar um destaque para a obra do pintor neerlandês Vicent Van Gogh. Van Gogh criou uma estética única na arte, com temas simples e cenas do cotidiano vertidas em pinceladas quase mágicas, de um movimento, precisão e leveza peculiar. Ao incorporar tendências impressionistas, o pintor também tinha aspirações modernistas e influenciou variadas correntes artísticas do século XX como o expressionismo, o fauvismo e o abstracionismo.
Mas falar de Van Gogh é muito pouco, aos olhos veste melhor as suas cores, sua melancolia sutil, sua doçura suspensa, seu olhar esplêndido, sua alma quase desenhada...
Aos olhos e aos ouvidos um presente, dessa vez menos mudo, mais absurdo!

Aviso aos navegantes: A exposição fica no Masp até o dia 8 de maio.

Modelos



oferecida
insistente
cansativa
irritante
assim são algumas meninas
chatas e invasivas
querem se fazer de cultas
simplesmente repetem frases cruas
de originais não têm nada
são modelos de auto-ajuda

segunda-feira, 15 de março de 2010

Escritores da alma

Uma tarde, durante um recesso do tribunal, eu estava sentado a essa mesa, tomando café com Panagakos, um fiscal de sursis, um fiador e dois detetives da delegacia de costumes, quando um curioso homenzinho entrou no restaurante. Tinha por volta de 1,62 ou 1,64 de altura e era bastante magro; não devia pesar mais que uns quarenta quilos. Estava com a cabeça descoberta e empinada para o lado, como um pardal. Tinha cabelos compridos e uma barba densa. Traços de sujeira na testa indicavam que a havia coçado com dedos imundos. Ele usava um capote vários tamanhos maior, quase roçando o chão. Trazia as mãos juntas, para aquecê-las – fazia muito frio -, e as mangas do capote as cobriam, formando uma espécie de regalo. Apesar da barba, o homem tinha algo de infantil e de perdido, com aquele capote grande demais, a cabeça descoberta e o rosto sujo: um menino que subira ao sótão com outras crianças para experimentar roupas de adulto, se cansara da brincadeira e caíra fora (MITCHELL, 2003, p. 43).

Joe Gould



Entre as grandes obras-primas do Jornalismo Literário, uma delas não pode deixar de ser lembrada, trata-se de O Segredo de Joe Gould (2003), do escritor norte-americano Joseph Mitchell. O livro é composto por dois perfis que têm como personagem um mesmo homem, ou como Mitchell prefere chamar, uma mesma alma perdida: Joe Ferdinand Gould. Os dois textos foram publicados na revista The New Yorker, na qual Mitchell trabalhou por grande parte da sua vida, o primeiro em 1942 e o segundo em 1964. Mitchell, a exemplo de jornalistas americanos que posteriormente se aventuraram nos ideias do New Journalism e se propuseram a fazer um jornalismo livre das amarras e dos limites formais e temporais presentes no cotidiano das redações, produziu textos simplesmente lindos e emocionantes, associando seu nome ao mais alto padrão de texto jornalístico que avançou sobre as margens da literatura. Ele tinha um dom natural, uma sensibilidade própria em voltar-se para os anônimos do cotidiano, era disso que Mitchell gostava, era sobre isso que sabia escrever como ninguém. Como diz a frase retirada do obituário de Joseph Mitchell no New York Times, ele gostava de sonhadores e bêbados,e, para ele, as pessoas eram sempre tão grandes quanto seus sonhos. Diante dessa característica, Mitchell evitava os lugares comuns do jornalismo como por exemplo as celebridades, os poderosos, as pessoas em evidência. Ele gostava dos que viviam à sombra, estes o atraíam para serem revelados delicadamente pelo estilo discreto de Mitchell. Quando diziam que ele se dedicava a personagens pequenos, ele costumava responder: “Eles são tão grandes quanto você, seja você quem for”. Tamanha sensibilidade e beleza de alma só poderia se refletir em um texto sonoro, regado por ideias belíssimas e originais, histórias e enredos inspiradores, atraentes, por uma linguagem trabalhada, embora não em excesso. Como já foi dito, Mitchell era, acima de tudo, um jornalista de estilo discreto que se esgueirava pelas ruas, camuflado pela escuridão em busca das luzes invisíveis da vida. Aos seus olhos, os personagens de uma grande cidade deixavam de ser mudos e invisíveis aos olhos e ouvidos da multidão diluída e uniforme e passavam a iluminar o mundo com a luz de sua loucura, com o lírio do seu olhar.
O personagem de Joseph Mitchell em O Segredo de Joe Gould é um boêmio que vive pelas ruas do bairro nova-iorquino Greenwich Village carregado de lápis, cadernos, guimbas de cigarro e piolhos. Dentre todos os seus personagens, Gould foi aquele que Mitchell mais escutou. Formado em Harvard, Gould é um literato maltrapilho que sabe falar a língua das gaivotas e traduz alguns poemas e textos para essa sua lingua mágica e doce. Daí, a inspiração para o título do primeiro perfil de Joe Gould, intitulado “Professor Gaivota”. Além de traduzir clássicos da poesia em língua inglesa para a lingua das gaivotas, Joe Gould também estava escrevendo uma obra monumental, eram muitos e muitos cadernos preenchidos que formariam a obra de toda uma vida chamada Uma história oral de nosso tempo. Essa história seria baseada apenas naquilo que as pessoas da sua época dizia. Gould decidira escutar as pessoas nas ruas, nos bares, banheiros, à noite, durante o dia, atrás das portas, enfim, escutá-las. Em outras palavras, Mitchell encontrou em Joe Gould um homem tremendamente parecido com ele próprio, que gostava de escutar as pessoas e achava que a história de uma nação estava justamente naquilo que as pessoas diziam, não nos parlamentos ou nas guerras. Joe Gould era seu personagem perfeito.
O interessante é perceber como Mitchell soube olhar bem para Joe Gould, ele enxergou o homem, o escritor, o falante da língua das gaivotas por trás do boêmio. Ele viu uma profundidade psicológica naquele indivíduo, uma cor diferente na sua alma, um olhar mais longo, reticente e profundo, ele viu uma história que valeria a pena ser contada, e esse é o segredo de um bom perfil. Se a história de vida não for boa o perfil simplesmente não se sustenta, mesmo com uma belíssima linguagem, tocantes metáforas, imersão total na realidade, múltiplos pontos de vista na narrativa e outros elementos do jornalismo literário, nada disso se faz suficiente quando a história não é boa o suficiente para envolver o leitor de modo que este se veja de alguma forma refletido naquelas páginas. Da mesma forma, de nada adianta uma bela história se não se sabe contá-la. Joseph Mitchell é fascinante porque reúne as duas características essenciais do jornalismo literário, ele sabe olhar para a cena do mundo e sabe escrever de forma rica e humanizada. Não há outra alternativa, sequer outro segredo, basta saber ver o que os outros não viram, saber contar com as palavras que outros jamais usariam, jornalismo literário também é arte, ele empresta a arte da literatura e quando se cai no campo da arte tudo é uma questão de estilo.
Mitchell tem estilo, sabe impressionar com a sua escrita clara, diáfana, direta, correta. Além disso, ele se utiliza da imersão. É evidente o seu mergulho profundo na alma de Joe Gould buscando apreender aquilo que talvez nem mesmo Joe Gould sabe que tem ou sente. Alem da imersão e da linguagem clara, precisa, discreta, Joseph Mitchell deixa marcado em tudo aquilo que escreve o seu estilo, a sua voz autoral ao narrar as sombras da realidade, jogando nelas uma luz quase sublime.

Joseph Mitchell e Joe Gould no filme Joe Gould's Secret, de Tucci e Howard A. Rodman





Basicamente, o estilo de Mitchell que perpassa ambos os perfis de Joe Gould, é preciso. Como o físico e matemático britânico Maxwell escreveu “seu texto lembra o som que fazem os carpinteiros quando estão construindo uma casa”. Não há hesitação, pregos tortos, acima de tudo, nada sobra, tudo é exato, não há sílabas desperdiçadas. Ele não era um escritor de excessos, era leve, o texto pairava acima das páginas e assim Mitchell desenvolveu formas próprias para tratar histórias da vida real com técnicas de ficção. A observação minuciosa do mundo material fazia parte do seu método, era uma estratégia literária e, ao mesmo tempo, uma forma de atingir coisas intangíveis, internas (emoções, sentimentos...) através de coisas palpáveis e externas (a estante de livros desarrumada, o relógio gasto, as roupas amontoadas...). Faz parte do estilo de Mitchell uma ponta de humor que transparece em algumas situações de O Segredo de Joe Gould, ainda que este humor seja melancólico, negro, daqueles que reduzem a quase nada as grandes pretensões da vida. Outro recurso que ele utiliza em O Segredo de Joe Gould é a precisão de dados e informações, principalmente, aquelas que se referem ao seu personagem. De Joe Gould ele tenta pesquisar tudo, reunir os números, as horas, as quantidades que ajudam a definir aquela alma perdida e mostra todos esses dados ao leitor de forma que este último se sente impressionado e, ao mesmo tempo, satisfeito por um efeito de realidade, um gesto irreversível que faz da realidade algo que simplesmente se impõe e completa as pessoas, no mesmo movimento que as incompleta. Mas neste ponto Mitchell entra com sentimentos, com a alma, com a solidão, talvez seja esta última o grande tema do livro: a solidão de um homem inteligente e puro. A sensação ao saber mais sobre ele é a de que todas as pessoas do mundo de repente tornam-se tão imbecis, tão medíocres, perto de seu coração tão puro, suave e sábio. Mitchell oferece ao leitor o real e o sonho, o que se tem, e o que se deseja, o que isola e o que reparte...

Joseph Mitchell


Em tudo isso, ele se faz humano, a humanização é constante em
O Segredo de Joe Gould e não poderia deixar de ser. Um perfil que não é humano não é um perfil, mesmo que o personagem não tenha sequer uma ponta de humanidade, o retrato de uma vida humana deve ser humano, porque sempre há pontas e névoas de humanidade por trás de cada alma suspensa, basta deixar que ela sutilmente brote. O que sempre interessou para ele foi a descrição do que ia dentro das pessoas por isso seus artigos são verdadeiros perfis psicológicos. João Moreira Salles, em belo e completo posfácio de uma das edições de O Segredo de Joe Gould, diz que ele prefere o mergulho vertical as prazeres horizontais.
Joseph Mitchell era realmente um escritor especial, entre suas grandes características, lembradas pelo cineasta João Moreira Salles, estavam a lentidão com que escrevia, o seu peculiar senso de humor, sua tristeza inata, sua grande cortesia, o enigma literário que cerca os últimos trinta anos de sua vida. Acima de tudo, ele era um homem que escutava, suas obras sempre são resultados de escutas atentas e constantes em um processo onde o que pode parecer banal, aos olhos dele, transforma-se em algo extraordinário. Nas entrevistas, ele era apenas um curioso que gostava de sentir o cheiro e provar o sabor do espontâneo. Mitchell dizia: “Acredito que, do ponto de vista da conversa, as pessoas mais interessantes são homens reunidos num bar, jogando conversa fora para combater a solidão”. Na cidade grande, ao contrário do que muitos buscavam, Mitchell tentava encontrar a permanência, as coisas que sobreviviam à crueldade do passar do tempo e assim as preservava. Pode-se dizer, portanto, que a memória é o elemento essencial de sua obra, ele escrevia para que as coisas não morressem, não fossem esquecidas, já que, como dizem os gregos, é no esquecimento que a morte cumpre plenamente a sua promessa.
O jornalismo literário não seria o mesmo sem as letras de Joseph Mitchell, sem a sua dedicação em aguçar a consciência do mundo, um grande escritor, com um grande personagem, antes de qualquer outra palavra a mais ou a menos, um escritor da alma...


E em nossa Noite de Poesia da Natureza ele implorou para declamar uns versos de seu poema 'A gaivota'. Dei-lhe permissão, e ele saltou da cadeira e começou a sacudir os braços, a pular e a gritar: 'Scriiic! Scriiic! Scriiic! Foi desconcertante. Somos poetas sérios e não aprovamos esse tipo de comportamento”. No verão de 1942, Gould protestou diante da exposição do Raven, pendurada na cerca de uma quadra de tênis da Washingto Square Sul. Numa das mãos segurava seu portfólio e na outra um cartaz em que escrevera: “JOSEPH FERDINAND GOULD, EXÍMIO POETA DE POETVILLE, REFUGIADO DOS RAVENS. POETAS DO MUNDO, INFLAMEM-SE! VOCÊS NÃO TÊM NADA A PERDER, ALÉM DO MIOLO!” Ao pavonear-se de um lado para o outro, de quando em quando dava um salto e perguntava aos transeuntes: “Quer saber o que Joe Gould pensa do mundo e de tudo que existe nele? Scriiic! Scriiic! Scriiic!” (MITCHELL, 2003, p. 32).

Joe Gould


"Encontrei uma palavra que resume meu modo de ser […]: 'ambissinistro', canhoto das duas mãos".

"Sofro de delírio de grandeza. Acho que sou Joe Gould".

Joe Gould sobre si mesmo

domingo, 14 de março de 2010

A agulha e a linha



vinha pela rua
meio mágica
meio nua

andava na madrugada
meio aflita
meio acorrentada

colecionava poesias
meio indecentes
meio finas

dançava no escuro
meio sem jeito
meio sem rumo

falava sozinha
meio louca
meio linda

entrou na minha vida
meio noite
meio dia

me costurou nas entrelinhas
meio agulha
meio linha

quinta-feira, 11 de março de 2010

Mimesis

na diluição da lógica
na completude do saber
na fonte da lógica
na irracionalidade do mundo
na racionalidade de tudo
na vertigem absurda
no horizonte profundo
nas vozes da loucura
nas arestas do saber
nas notas do medo
na melodia da eternidade
na imensidão do negro
na perdição do branco
na busca pelo eterno
no encontro com o efêmero
nas sutilezas da saudade
nas lentes da igualdade
na travessia inebriada do vento
no cheiro que na vertigem reparte
na amarga incompreensão de um olhar
na poesia que disseca a palavra
na vida o caminho da arte



Vídeo com animação inspirada na obra do pintor espanhol Salvador Dalí

terça-feira, 9 de março de 2010

Um pouco mais, um pouco menos, por Marcelo Masagão

O que dizer daquilo que se tem hoje, não se quer agora, quer se ver distante amanhã e, ao mesmo tempo, está revestido por um medo, uma falta, uma ausência tão farta quanto inútil. Algo que se tem, que se quer perder, e que se tem medo de sentir falta. Eis assim esta tal solidão. Estranho como a ausência de vozes, sons, gritos mudos e distantes fazem falta e chegam a enlouquecer a mente quando se ausentam por períodos demorados de tempo. O silêncio prolongado, depois que a alma cansa de dirigir-se a si mesma tão inutilmente, termina por deixar o corpo cansado, sem que se tenha saído do lugar, provoca dores no pescoço, nas pernas, nas costas, turva o pensamento, confunde os sentidos, no mesmo movimento em que, leva os sentidos a sua mais aguda e extasiante percepção. A voz quando de repente se solta, é tímida e estranha a si mesmo, distante, fantasmagórica, até as lembranças se perdem cansadas, embaçadas, juntam-se a um amontoado de restos despedaçados, em uns mais, em outros menos...



E o labirinto é extenso, não há como sair dele, sobretudo não há o que fazer, as alucinações se repetem, agigantam-se, a falta de tudo se faz imensa, multiplicada em proporções bem maiores, juntamente com o real tudo se faz profundamente irritante. A espera é interminável e torna-se insuportável nos dias quentes de sol, quando tudo lá fora é lindo e tudo lá dentro é cinza, abafado e pobre. Mas se sairmos, a multidão nos esmaga, os olhares nos estilhaçam, a diluição do tempo, das imagens, da lógica, a fruição do tempo, o anestesiamento dos sentidos, nos faz mais malucos do que quando encerrados na nossa prisão de cada dia. O mundo atual e suas grandiosidades falhas fere. Estão todos correndo, desesperados, afoitos, amedrontados, estão todos ansiosos por viver, consumir, consumir-se, deteriorar-se, estagnar-se, inchar-se sem nutrir-se. O mundo está alvoroçado, desesperado, frenético e vazio, tremendamente perdido, iludindo-se com multidões de pessoas e objetos, buscando encontrar-se dentro do seu próprio vazio, e assim, enfeitam cada vez mais sua gaiola dourada, enfastiam-se dela, mas se saírem são engolidos pelo bichos que espreitam do lado de fora dela, a gaiola pode ser um quarto, um longo edifício, uma cidade a perder-se de vista, pode ser do tamanho do corpo, um pouco mais, um pouco menos...



Sobretudo há um cansaço, tédio irresoluto de tudo que ainda passa despercebido nas almas de muitos, mas não demorará demasiado para vir à tona, basta perceber que tudo isso é um completo caos sem sentido, que toda espera torna-se longa e ressecada, que todo sentimento grande e verdadeiro demais é anulado ou pisoteado por outro extremamente medíocre e embalado por uma casmurrice que se supõe altiva e superior, mas termina rastejante e pálida.
Enfim, sinto como se o mundo estivesse perdido nas raias da contemporaneidade, afogando-se nesta onda de coisas e mais coisas sem sentido, perdendo a essência, a plenitude, a beleza de um verso, de uma tela com cor e ritmo. São muitas janelas, tantos pequenos buracos, empilhando histórias e mais histórias, cada buraco tem uma história, cada história um buraco...
Se a solidão de dentro enlouquece, o vazio de fora entontece e massacra. Antes a loucura da solidão, ao caminhar sem rumo encravado no seio de tantas e estranhas multidões, sozinhas, perdidas no que fizeram delas seus desejos, nos desejos que elas fizeram...
A alma está profundamente confusa e cansada, presa em sua gaiola dourada, tentando escapar dela, esperando do outro o que não vem dela mesma, mas um dia se desprenderá, voará livre e longamente, entrará na paz de um deserto de formas parecidas e será invadida pela claridade crepuscular do sol que mergulha delicadamente na linha do horizonte. Um dia, em sonhos que seja, serão ditas frases, de um jeito e com um significado, que vai além das palavras, além, um pouco mais, um pouco menos...

domingo, 7 de março de 2010

As raias da realidade

"- Você disse que todo bom romance é uma transposição poética da realidade. Poderia explicar esse conceito?
- sim, acho que um romance é uma representação cifrada da realidade, uma espécie de adivinhação do mundo. A realidade que se maneja num romance é diferente da realidade da vida, embora se apoie nela. Como acontece com os sonhos.
- O tratamento da realidade nos seus livros, principalmente em Cem Anos de Solidão e em O outono do patriarca, recebeu um nome, o de realismo mágico. Tenho a impressão de que os seus leitores europeus costumam perceber a magia das coisas que você conta, mas não veem a realidade que as inspira...
- Certamente porque o seu racionalismo os impede de ver que a realidade não termina no preço dos tomates ou dos ovos. A vida cotidiana na América Latina nos demonstra que a realidade está cheia de coisas extraordinárias. A esse respeito costumo citar o explorador norte-americano F.W.Up de Graff, que no final do século passado [XIX] fez uma viagem íncrivel pelo mundo amazônico, onde viu, entre outras coisas, um arroio de água fervente e um lugar onde a voz humana provocava chuvas torrenciais. Em Comodoro Rivadavia, no extremo sul da Argentina, os ventos do polo levaram pelos ares um circo inteiro. No dia seguinte, os pescadores tiraram em sua redes cadáveres de leões e girafas. Em Os funerais da mamãe grande, conto uma impensável, impossível viagem do papa a uma aldeia colombiana. Lembro-me de ter descrito o presidente que o recebia como calvo e rechonchudo, a fim de que não se parecesse com o que então governava o país, que era alto e ossudo. Onze anos depois de escrito esse conto, o papa foi à Colômbia e o presidente que o recebeu era, como no conto, calvo e rechonchudo. Depois de escrito Cem anos de solidão, apareceu em Barranquilla um rapaz confessando que tem um rabo de porco. Basta abrir os jornais para saber que entre nós acontecem coisas extraordinárias todos os dias. Conheço gente inculta que leu Cem anos de solidão com muito prazer e com muito cuidado, mas sem surpresa alguma, pois afinal não lhes conto nada que não pareça com a vida que eles vivem.
- Então, tudo que você põe nos seus livros tem uma base real?
- Não há nos meus romances uma linha que não esteja baseada na realidade.
- Tem certeza? Em Cem anos de solidão acontecem coisas bastante extraordinárias. Remédio, a Bela, sobe ao céu. Borboletas amarelas voejam em torno de Maurício Babilonia...
- Tudo isso tem uma base real.
- Por exemplo...
- Por exemplo, Maurício Babilonia. Quando eu tinha uns cinco anos de idade em minha casa de Aracataca, um dia veio um eletricista para mudar o contador. Lembro-me como se fosse ontem porque me fascinou a correia com que se amarrava nos postes para não cair. Voltou várias vezes. Numa delas, encontrei minha avó tentando espantar uma borboleta com um pano e dizendo: "Sempre que esse homem vem aqui em casa entra essa borboleta amarela". Esse foi o embrião de Maurício Babilonia.
- E Remédio, a Bela? Como ocorreu a você enviá-la ao céu?
- Inicialmente tinha previsto que ela desapareceria quanto estivesse bordando na varanda da casa com Rebeca e Amaranta. Mas esse recurso, quase cinematográfico, não me parecia aceitável. Remédios ia ficar por ali de qualquer forma. Então me ocorreu fazê-la subir ao céu em corpo e alma. O fato real? Uma senhora cuja neta tinha fugido de madrugada e que para esconder essa fuga decidiu fazer correr o boato de que sua neta tinha ido para o céu."


Diálogo entre o jornalista colombiano Plinio Apuleyo Mendonza e o escritor colombiano Gabriel García Márquez em Cheiro de goiaba, livro que explora com amplitude o conceito de realidade no romance, conforme visto pelo Prêmio Nobel de Literatura 1982.

sábado, 6 de março de 2010

Forma da sombra, cheiro do tempo...

eu
nada meu
meu
tudo seu
seu
nada fácil
fácil
tudo leve
leve
nada breve
breve
tudo ágil
ágil
nada permanece
permanece
tudo muda
muda
nada se parece



hoje
apenas ontem
logo amanhã
efêmero sem sombra
brisa sem dono
o tempo cheira a maça
o ar contempla o abandono



o espelho está inteiro
a água límpida
o vento canta ligeiro

a fumaça está com preguiça
o sol deitou mais cedo
o silêncio por perto
ronda quieto

as sombras sem corpo certo
desfilam como borboletas
minha alma dança no teto
e se esqueçe dando piruetas

M.V

quarta-feira, 3 de março de 2010

Minimalesca



no seio do amor
vertida com dor
tua vertigem sem cor



céu nublado
dia gostoso
penteia algumas lembranças
o vento da minha infância



viagem
doce miragem
não levo nada
só saudade



poesia e você
receita
de prazer



na casa da esquina
mora gente bonita
a flor por trás do muro
parece infinita




não quero vozes de histeria
quero apenas a promessa
de uma nova poesia



aonde cabe a poesia?
me perguntaram certo dia
onde começa a fantasia
respondi feito menina



risco
rabisco
desafino teu disco



copos enfileirados
vento suave
olhares desconfiados

terça-feira, 2 de março de 2010

Os alguns dos outros

alguns gestos
doces
outros versos
mudos
alguns poemas
baratos
outros olhares
gratos
alguns dedos
arrepiados
outras promessas
tecidas em fio de plástico
alguns instantes
eternos
outros lugares
inverno
algumas palavras
mistério
outras histórias
despautério

M.V

segunda-feira, 1 de março de 2010

Confesso que vivi

“Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros.
Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.
Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.”

Pablo Neruda





Confesso que vivi
nesse pedaço de caminho que percorri apertada
o céu chorando por fora
eu chorando por dentro
a solidão me deixando melancólica
a vida me parecendo deserta.
Estou eu indefinida
uma agonia sem razão certa,
uma incompreensão interiorizada,
um desfalecer sufocado em vida.
Mesmo assim, em pedaços
com o vento arrastando meus restos roídos de saudade
mesmo sem saber da ausência dessa tristeza e sofreguidão,
naquele pedaço de caminho,
despudoradamente,
mordendo a tua falta.
Confesso que vivi...

M.V