sábado, 28 de fevereiro de 2009

Onde ver é delírio

Vou me arriscar a falar sobre algo que ainda - destaque-se o ainda - não vi de fato, pessoalmente, a visão foi apenas, digamos, virtual. Mesmo assim, gostaria que os leitores interpretassem este post muito mais como um convite do que como uma análise minuciosa de algo que vi com meus próprios olhos (perdoem-me o pleonasmo).
Lendo e recebendo informações, chegou-me a notícia de uma imperdível exposição de fotografias do fotógrafo Vik Muniz. Embora, pelo que vi e li, discorde que sejam apenas fotografias o fruto de seu trabalho e ele, apenas um mero fotógrafo. Vik Muniz é um artista brasileiro, de renome internacional, que utiliza a fotografia como instrumento básico para ir além, em direção a uma arte que mistura ilusão e realidade, a aparência comum, com a essência inusitada. Ele fotografa os seus trabalhos realizados a partir de técnicas variadas.
Desde já deixo aqui meu aviso aos navegantes: a exposição “Vik”, que conta com 131 obras do artista, é a maior dedicada até então à sua obra e está sendo realizada no MAM, no Rio de Janeiro, onde fica até o dia 8 de março e depois, para alegria dos de cá paulistas, segue para o MASP, Museu de Arte de São Paulo, com estreia marcada para o dia 23 de abril.
Para avivar as vontades e despertar a curiosidade em ver de perto esses incríveis trabalhos; coloco aqui alguns dos presentes que a exposição gentilmente oferece aos seus visitantes (e que a internet por hora me proporcionou).
Abaixo um autorretrato montado com centenas de pequenos objetos coloridos. São miniaturas de carros, bolas, lápis, cornetas, botões, colheres, garfos, dentre outros, das mais variadas cores e formas dispostos de modo a formar um rosto, os olhos, o nariz, a boca e os dedos segurando a testa. De longe, e olhando assim pela foto, parece simplesmente uma mancha colorida, uma imagem comum, que, no entanto, deve surpreender a qualquer um quando se aproxima e se depara com todos aqueles objetos. Vik Muniz parece querer nos dizer que, muitas vezes, aquilo que vemos não passa de ilusão, impressões que são desconstruídas no instante seguinte.


Esta outra fotografia é tão ou mais curiosa que a anterior, exercitei-me olhando-a de longe e depois um pouco mais de perto. Pareceu-me de início uma imagem escura, composta por duas árvores, um lago e um homem. Depois percebi que as árvores, o homem, o chão, são feitos de linhas, exatamente, nossas tradicionais linhas de costura, emaranhadas de tal modo e de tal modo dispostas que se tornam troncos, caules, folhas. São coisas - para alguns falsas - feitas de fios de linha e que, fotografadas, novamente nos iludem, ao mesmo tempo em que se revelam e nos espantam, deixando a fascinação de mais uma ilusão que se desfaz. Talvez a foto, pequena, não revele as linhas que compõem o desenho, mas ela tem aqui o principal propósito de despertar a curiosidade e a vontade para ver a obra de perto, e aí sim perceber suas surpresas.


Vik Muniz também brincou com a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, e ao contrário de Duchamp, que lhe pôs bigodes e barbas, ele a refez usando geléia e pasta de amendoim, matérias que só poderiam ganhar permanência na incrível imagem fotográfica.



Vik Muniz oferece outros trabalhos surpreendentemente diferentes ao longo da exposição. Através de uma nova linguagem só possibilitada pela fotografia, ele atualiza obras-primas da pintura (“Catedral Rouen” de Claude Monet, “O Nascimento de Vênus” de Botticelli) não de modo a destruir-lhes todo seu brilho e particular significado, mas visando refazer uma beleza já consagrada com a ajuda de outros materiais extremamente simples - lixo, objetos de plástico, peças de metal – e às vezes também valiosos – como os pequenos diamantes que dão forma ao rosto de Elizabeth Taylor.

É uma daquelas exposições que simplesmente não se pode deixar de ver, talvez esse seja o fato de estar escrevendo sobre ela, mesmo antes de tê-la visto. Pelo que essas e outras imagens me mostraram, pelo que li e ouvi, posso dizer sem medo de me arrepender depois, quando olhar mais de perto, que as fotografias do trabalho deste grande artista promovem um diálogo entre o banal e o poético, o verdadeiro e o ilusório, mostrando que ver, nesse caso, é delírio.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Um beijo na alma


Yehuda Amichai é considerado o maior poeta israelense do século XX. Tal constatação me ficou clara quando tive contato com alguns de seus escritos, desde já antecipo que agradaram-me em demasia, e me fizeram notar a extraordinária sensibilidade poética do artista em questão. Gostei da sutileza das palavras em seus poemas, da sua mensagem comum mas que, de repente, se torna tão inquietante, dos sentimentos expostos e confusos. Deixo aqui um dos poemas de Yehuda Amichai, justamente, aquele que me fez lembrar de algumas coisas e me fez pensar em outras. Aquele que me tocou com o toque particular da arte - que é só dela - de sua metade manifestação e de sua metade segredo.



Na história de nosso amor.
Um foi sempre


Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação
em seu próprio solo
Quando trocamos de lugar, tudo
tinha acabado.
O tempo passara por nós, como
paisagens
Passam por trás de atores parados
em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos
lábios. Até as lágrimas
Passarão por nossos
olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu
lugar.
E na geografia do resto de
nossas vidas.
Quem será uma ilha e quem
uma península
Ficará claro pra cada um de nós
No resto de nossas vidas
Em noite de amor com outros.

Yehuda Amichai

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Educação e corrupção disputam reflexos no espelho do país do futuro

Uma pesquisa feita por um grupo de economistas da PUC do Rio de Janeiro e da Universidade da Califórnia revelou um quadro no mínimo triste e preocupante. A conclusão da pesquisa é que a ocorrência de casos de corrupção, entre eles, desvio e mau uso dos recursos reservados às escolas, prejudica e muito o aprendizado no Brasil, reduzindo sensivelmente as notas das crianças.
A pesquisa se baseou em auditorias feitas pela Controladoria Geral da União (CGU) em 370 municípios brasileiros. Fiscalizando a execução das verbas repassadas pelo governo federal às prefeituras para que se invista em educação, os pesquisadores encontraram realidades que incomodam e perturbam aqueles que primam pela qualidade do ensino. São absurdos que vão desde merendas compradas e não servidas até licitações fraudulentas, aluguel de ônibus que nunca transportou um aluno sequer e notas fiscais relativas a obras que jamais saíram do papel.
Diante disso, fica clara a relação que se estabelece entre causa e efeito. Com a corrupção espalhando seu veneno também na área da educação, em pouco tempo percebe-se que falta o básico em muitas escolas do país. Não há merenda no recreio, biblioteca então, os alunos mal sabem o que seja, e em relação aos professores, torna-se até pleonasmo dizer que eles não recebem treinamento e estímulo algum. Soma-se à falta do mínimo que se espera de um ambiente escolar uma razão menos visível para a queda das notas entre os alunos, mas igualmente nociva: a educação passa a ser vista com cada vez menos seriedade, assim como o uso do dinheiro público. Os diretores, professores, pais e até alunos são, naturalmente, levados a pensar que se as autoridades não têm o mínimo comprometimento ético e moral com o uso do orçamento federal, por que então eles terão um comprometimento sério e responsável com a educação? Em outras palavras, por que levar a sério a educação em um país que não leva nada a sério, a não ser a defesa de interesses particulares e a manutenção de um estado corrupto e desigual?
Infelizmente, casos de desvio de dinheiro da educação são comuns no Brasil. O montante de dinheiro destinado à educação é alto, inferior apenas ao orçamento reservado à saúde. Em 2008, o governo federal repassou 15,5 bilhões de reais aos municípios. Este grande volume de verbas explica, pelo menos em parte, a grande incidência de irregularidades na educação. Além disso, as consequências dos desvios na área da educação são menos óbvias, como o atraso escolar e, portanto, são mais difíceis de fiscalizar. O fato é que se as consequências deste tipo de corrupção são menos óbvias, com certeza, elas são as mais graves e revoltantes. Ao roubar dinheiro da educação estamos financiando o pior desperdício de todos: o desperdício de talentos. Com o desvio de verbas jogam-se fora sonhos, oportunidades de crescimento pessoal e profissional, elimina-se a chance do sucesso, da satisfação e do amadurecimento proporcionado pelo conhecimento. Este que se constitui em um presente eterno, o mais valioso dentre todos e já tão escasso e distante para tantas crianças. Essas e outras realidades mostram bem o atraso do nosso país.


"Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda."
Paulo Freire

"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende".
Guimarães Rosa




"Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância.”
Derek Bok

"Viver é super difícil
o mais fundo
está sempre na superfície.”
Paulo Leminski

É preciso admitir, entretanto, que alguns avanços já aconteceram, como, por exemplo, o fato de um número maior de crianças frequentarem a escola atualmente, mas ainda há muito por fazer. Precisamos criar um sistema em que as informações do orçamento fiquem disponíveis para consulta por parte de qualquer um, e capacitar secretários e diretores de escolas para que estes possam fazer melhor uso do dinheiro público. Devemos olhar a educação com mais cuidado, valorizando menos a opinião e mais a ciência. Pesquisas como essa me fazem lembrar tantas outras que apontam caminhos e soluções, sustentadas pela lógica da razão, para melhorar a qualidade do ensino e que, no entanto, não são levadas a sério nem tampouco conhecidas pela maioria dos diretores de escolas ou ministros da educação, que continuam aderindo às anestésicas e ilusórias “soluções”. No fundo, a experiência e a observação nos ensinam que as medidas mais simples e menos dispendiosas são, de fato, as mais eficientes para promover uma melhoria na educação. Os professores - que valorizam o poder de análise e síntese e não a simples repetição de discursos e ideias fabricadas - são os mais eficientes. Os professores - que ensinam através da razão e não doutrinam recorrendo à fé, que têm seu mérito reconhecido e são estimulados a serem cada vez melhores - são o início da solução. É com bons professores que começa uma boa educação, aquela que forma indivíduos capazes de pensar de maneira madura e responsável, que foram apresentados aos dois lados das tantas e complexas questões que nos rodeiam, e aprenderam a tomar suas próprias decisões, em meio a muitos livros e poucos enfeites.
Quando pesquisas como essa sobre os efeitos da corrupção no aprendizado vêm à tona, abre-se um saudável espaço para discutir sobre a grande senhora de todos os tempos e de todas as eras: a educação. Pena que quando o sujeito rouba da saúde e faltam remédios ou médicos, a população reclama; se roubam dos transportes e faltam ônibus, o protesto também é geral; mas se roubam da educação e os alunos não aprendem, ninguém se importa. E assim seguimos a um século de distância das escolas americanas e europeias, cada vez mais ignorantes, com cada vez mais talentos desperdiçados. Mas, como dizia Elio Gaspari, calma patuleia, vocês vivem no Brasil, aquele que foi, é, e nunca deixará de ser o país do futuro!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Aos que esperam...

São muitos os que esperam e tantas são as coisas esperadas.
Há aqueles que esperam um olhar, uma chance. Outros vivem, simplesmente, a esperar uma passagem ou uma chegada.
Há aqueles que esperam um beijo.
Os alucinados esperam a calma.
Os esquecidos esperam uma lembrança de si mesmo.
Os prudentes esperam aquele que deve ser o melhor momento.
E o que dizer dos que esperam por promessas, algumas vezes nunca cumpridas.
Muitas vezes, esperamos pelo tempo em que esqueceremos alguém, mas acabamos admitindo logo em seguida que esse tempo simplesmente não existe, posto que certas pessoas são por nós carregadas para sempre, quase sem querer.
Quantos não esperam pela ausente presença dos que não estão mais por aqui, pelo menos de maneira tocante e percebida.
Estamos sempre esperando, mesmo sem sabê-lo, mas não sabemos notar, respeitar e cultivar essa espera.
Mas é bom que esperemos.
A espera pressupõe uma luta, um caminhar na direção do menos fácil ou do menos transparente. Caminhar, por vezes, inutilmente, conciliando os prazeres e o desespero, a calma e o desequilíbrio total, o olhar estático, congelado e o olhar dinâmico, sonhador.
Toda espera carrega uma esperança, mesmo que quase extinta, quase sem sentido. Traz aquilo que nos move na direção do desconhecido, este que nos fascina e inebria deveras.
A espera não pode deixar de existir, pois ela materializa a essência do humano. E o humano está destinado a esperar.
Esperar bênçãos, voz, milagres, libertação, amores impossíveis, dores, momentos, palavras. Mas também nos está destinada a conquista, conquista de parte de nossa espera, afinal, mesmo quando, aparentemente, conquistamos tudo, sempre nos descobriremos esperando algo mais.
E assim seguimos...
Esperamos o óbvio, o louco, a revolução.
Esperamos o exemplo, o apoio, a justificativa.
Esperamos o passar das coisas, do tempo, das dores.
Esperamos uma prece, uma bela paisagem, um bom livro e uma bem contada história.
Esperamos aquele lugar ideal, sem os outros que não desejamos, sem opiniões e falas vazias que nos incomodam e não nos fazem sentido.
Ah! Como esperamos pela satisfação de seres originalmente insatisfeitos e como queremos ser o outro, assumir o papel de impostor das suas inerentes contradições.
Esperamos num tom penetrante e claro uma melodia, uma tangente combinação de sons que fazem estampar em nossas feições o brilho da reminiscência, a saudade dos velhos tempos!
Esperamos por uma festa, pelo seu fluxo corrente de expectativa e alegria.
Esperamos a terra produzir, impelindo-a a isso e, dessa forma, impelimos a nós mesmos.
Enquanto esperamos, as frutas amadurecem e as flores rebentam nas vinhas, e o calor aumenta, e nos pêssegos aparece a primeira penugem, e os homens sonham com um ano fecundo e abundante enquanto trabalham, e o tempo passa...
Há ainda aqueles que esperam e procuram por uma coisa que sabem que não podem achar e, mesmo assim, afirmam que não têm o direito de perder a coragem.
Esperamos por sorrisos misteriosos.
Esperamos por uma saudade.
Onde está a loucura, a lógica, a dita racionalidade? Onde está o homem modelo, forte, livre de conflitos?
Eles estão na nossa espera mais distante e mais enlouquecida. A mais impossível de todas. Não existe lógica, não há objetividade clara e percebida, o mundo é conflito, solidão, mesmo entremeados por felicidades ocasionais. E aqui reside nossa última e eterna espera. A espera pela felicidade, felicidade esta da qual nem sabemos o que seja seu exato, seu sagrado, seu efêmero...

M.V

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Leia pra mim "kid"

“A sociedade acredita que é guiada pela moralidade, mas isto não é verdade. Somos guiados, acima de tudo, pelas leis.” Esta é uma das muitas frases ditas ao longo de O Leitor, filme dirigido por Stephen Daldry, que já está em cartaz na maioria dos cinemas. O Leitor pode ser considerado um daqueles filmes bem feitos, com uma história muito bem contada, temperada com uma doze certa de mistério e sensualidade.
A história, basicamente, gira em torno de um adolescente, Michael, que se envolve com uma mulher mais velha. Inicialmente, ele não sabe sequer o seu nome, mas passa a viver um romance com ela. Depois de alguns encontros, Michael descobre o primeiro nome daquela mulher tão conflituosa, capaz de atitudes um tanto rudes e, ao mesmo tempo, carregadas de sensualidade e prazeres inesperados, seu nome, Hanna. Durante os encontros entre Michael e Hanna, a última pedia para que ele lesse histórias. Todos os dias, Michael chegava com um novo livro e o lia para Hanna, de forma original e até comovente. É fácil notar o fascínio que os livros exercem sobre Hanna. Ela se emociona com cada palavra, ao mesmo tempo, também se irrita e se envergonha diante de outras. Certo dia, Hanna vai embora e Michael a revê apenas oito anos mais tarde, ao acompanhar - como estudante de direito - um julgamento em que Hanna é uma das rés. Na ocasião, lhe é revelado o passado de Hanna como guarda de um campo de concentração nazista durante a II Guerra Mundial. No julgamento em questão, ela é acusada de diversos crimes, entre eles, ter deixado que 300 mulheres morressem queimadas dentro de uma igreja.
A história vai se desenrolando de forma bastante natural e atraente, não pretendo contá-la aqui, o melhor é que todos assistam e sintam, mas quero apenas colocar alguns pontos que me marcaram nesta história de medos e segredos escondidos pelo tempo. A primeira delas é a questão da verdade, do certo e do errado. Como essas idéias são relativas! No filme isso fica claro. É impossível não concordar com a seguinte afirmação de uma das vítimas do campo de concentração: “nutrir pena por alguém que foi tão cruel é obsceno”, mas, ao mesmo tempo, também é impossível deixar de se comover com o final dramático de Hanna e com um dos segredos que habitam o coração desta intrigante mulher. Aqui, entram os equívocos que cometemos quando não olhamos para todos os lados, quando julgamos apressadamente, ou quando não resistimos ao impulso de acusar, apontar.


Cena do filme "O Leitor"

O pano de fundo da trama, recorrendo ao drama e à tragédia dos campos de concentração, nos leva a refletir sobre o fato de que aqueles que estavam dentro das câmeras de gás, não foram as únicas vítimas. Aqueles que fechavam as portas das mesmas câmeras também sofreram, se desconstruíram enquanto seres humanos, sofrendo um processo de desumanização para que se metamorfoseassem em algozes. Hanna, como ela mesma admite várias vezes, cumpria apenas a sua função: era responsável pelos mortos. Quem pode dizer até que ponto ela está certa ou errada? O fato é que as suas culpas, seus fantasmas e seus medos não a abandonam. Eles proporcionaram uma mistura única e criaram uma mulher extremamente endurecida e sensível, que se emociona ao ver crianças cantando, brincando, ao ouvir as palavras de um livro. A segunda delas diz respeito às marcas, sim às marcas que a história e a vida nos deixa, particularmente, marcas deixadas por algumas pessoas que passam pela nossa vida e nunca mais saem dela, passe o tempo que passar. Michael carrega em si a marca de um amor, um amor entre um jovem e uma mulher que o fascinava pelos seus mistérios, pela sua autêntica sensualidade. Uma mulher que ele nunca esqueceu, que se chegou a odiar em alguns momentos do julgamento, concluía que a amava segundos depois, com todas as inseguranças e os impulsos da juventude. A sua atração aumentava na mesma proporção em que os mistérios em torno de Hanna também aumentavam. O fato é que Michael torna-se o único a saber do segredo de Hanna, um segredo capaz de lhe causar mais vergonha do que a responsabilidade direta pela morte de 300 mulheres. Mas, talvez o mais interessante, seja o fato de que ele a conhece tão bem a ponto de saber que esse segredo poderia salvá-la da prisão, mas não da sua própria dignidade, portanto, o mantém secreto. Ele opta por continuar sendo apenas seu Leitor, conduzindo-a de forma emocionante para a mais essencial de todas as sua lições. Por essas e outras, o filme, fruto de um livro, merece ser visto. Ao menos uma coisa eu posso garantir, ele vai levá-lo a questionar todas as suas mais profundas verdades!

Mais do meu EU

Um gosto gostoso
Daqueles que não oferecem chance pra desgosto
Um cheiro inebriante
Daqueles que fazem lembrar até o mais distante
Um toque singelo
Daqueles que despertam os amores mais eternos
Uma visão direcionada
Daquelas que mostram as dores guardadas
Uma música profunda
Daquelas que te levam para uma emoção só tua
Gostos, cheiros, toques, sons e visões
Constantes por que sentidos
Inconstantes por que sensações


M.V



Mais do meu EU


Vícios, vontades, valores
Metades...
Manga, melão, melancia
Saudades...
Lar, luta, luz
Liberdades...
Amora, ameixa, acerola
Tonalidades...
Beijo, bonito, bizarro
Espontaneidades...
Carambola, cereja, cacau,
Gostosas realidades...

M.V

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A alma russa e a alma humana

A revista "Cult", do presente mês de fevereiro, agradou-me profundamente devido a um dossiê sobre alguns dos mais importantes nomes da literatura russa, entre eles, Dostoiévski, Gógol, Tchekhov e Tolstói, levantando a seguinte questão: como se explica que no século 19, na Rússia - considerada bárbara pelo ocidente – tenha surgido uma leva de escritores que figuram entre os mais importantes da modernidade? O dossiê é extremamente interessante, completo, contextualizado e simplesmente imprescindível para aqueles que, de alguma forma, apreciam a literatura russa. Portanto, fica aqui a dica, vale a pena ler e resolver algumas dúvidas, embora, eu não descarte a possibilidade de que se crie outras. O dossiê fala de cada um dos autores citados anteriormente, analisando sua obra e revelando um pouco de sua personalidade, além de traçar um painel histórico literário da Rússia do século 19.
Gógol: tradição e modernidade

O primeiro dos escritores a ser analisado pelo dossiê é Gógol, álias como nos lembra a reportagem, 2009 é considerado pela UNESCO como o ano de Gógol, o que nos leva a conclusão de que muitas exposições e eventos acontecerão na Rússia neste ano para lembrar o bicentenário de seu nascimento. No dossiê, Gógol nos é apresentado como alguém de personalidade enigmática, o que facilmente deixava-se transparecer em algumas de suas obras como "Confissões de um autor" e "Trechos escolhidos de correspondências com amigos." Muito ligado à mãe, sempre teve uma dificuldade em suas relações amorosas que o levaram a tratar o amor em sua obra de forma cômica, zombeteira, ou seja, o escárnio constituía uma espécie de máscara para a sua incapacidade de amar. Seus personagens são sempre incompletos, fragmentados, refletindo os aspectos “doentios” do autor que se deixou morrer de inanição. O fato é que ele nos deixou uma obra riquíssima, composta por títulos como "O capote", "Almas Mortas", "O nariz" e "O inspetor geral", todas elas ricas em detalhes, revelando os mistérios do irracional, algumas vezes sob a máscara da racionalidade.


Dostoiévski: revolução na descrição da alma humana


Depois é a vez de Dostoiévski, aquele que tão bem investigou a alma humana em suas relações com a realidade mais profunda, penetrando na essência significativa dos fenômenos sociais. Ele acreditava que o verdadeiro artista era aquele que produzia “algo mais amplo e mais profundo” do que a “verdade fotográfica, a precisão mecânica” captada pelos “os olhos do corpo”, o essencial, segundo Dostoiévski, era olhar para o homem e a sociedade “com os olhos da alma”, dessa forma os seres humanos deveriam ser representados como seres plenamente sensíveis e não como estereótipos. Dostoiévski se interessava justamente por aquilo que escapava do campo de visão dos outros escritores, lhe atraíam mais o fatos extraordinários, excepcionais, para que através destes, ele revelasse as leis básicas da vida. É considerado por muitos estudiosos como um escritor realista, ele mesmo se considerava como tal, retratando todas as profundezas da alma humana, mas o fato é que ser apenas realista não sustenta a densidade de sua investigação do homem, a tal ponto que seu realismo é, acima de tudo, psicológico. Os fatos da realidade eram o centro de sua obra, uma obra que rejeitava a capacidade de explicação racional para os fenômenos da vida. A realidade objetiva, dominada, se por acaso existe em sua obra, passa totalmente despercebida. É nesta linha que Dostoiévski produz uma literatura que escapa dos limites de toda uma época, que não se contenta apenas com um maniqueísmo simplista, optando muito mais pelas zonas cinzentas que definem o indefinível. Entre seus romances destacam-se "Os Irmãos Karamázovi", "Crime e Castigo", "O idiota", "O Adolescente", dentre outros.


Tolstói: literatura e vida social


Na parte do dossiê referente a Tolstói, o leitor aproxima-se de um escritor em constante conflito com a sua própria arte, que criticava a literatura mas, ao mesmo tempo, considerava-a uma possibilidade de criar formas específicas de pensar e de conhecer. Tolstói nunca deixou de escrever e se, por vezes, criticava seu ofício era por que se preocupava com o papel da arte, que, segundo ele, servia como legitimadora das desigualdades sociais, realimentando o mecanismo que produz as estruturas da sociedade. Sempre preocupado com os sinais de seu tempo refletia suas preocupação sociais, posições religiosas e políticas em seus romances. Os seus três grandes romances – "Guerra e Paz", "Ana Kariênina" e "Ressurreição" – representam a agudeza crescente de sua visão crítica, ao mesmo tempo em que mostram um Tolstói que não tinha respostas para a maioria das perguntas que ele mesmo formulava, mas que nem por isso deixava de impor problemas e envolver o leitor em suas reflexões. O texto sobre ele faz uma pergunta interessante diante do fato de que Tolstói escrevia obras tão diferentes quase ao mesmo tempo, como o conto "O prisioneiro do Cáucaso" – conciso, simples, sem quase nenhuma digressão - e o romance "Anna Kariênina" – denso, complexo, longo, ramificado, daqueles que exigem grande fôlego. A pergunta feita é, qual seria o verdadeiro Tolstói? Eu, na minha simples condição de leitora de alguns de seus livros, diria que para essa pergunta não existe resposta, diante do fato de que Tolstói mostra-se honesto e competente em cada uma de suas vertentes, em cada uma de suas personalidades, afinal, como todos nós, ele deve ter tido seu lado simples e mais transparente convivendo permanentemente e, em conflito, com seu lado obscuro e menos fácil. O leitor de "Cult" ganha um ótimo presente ao final desta parte do dossiê: um trecho inédito da tradução feita por Rubens Figueiredo do romance "Ressurreição", de Tolstói, com previsão de lançamento no Brasil para o segundo semestre de 2009.



Tchekhov: a vida que se desvia da norma

Tchekhov é o último escritor a ser analisado pelo dossiê, adepto das narrativas curtas, ele foi o mais ousado transgressor da tradição clássica dando início a uma forma e linguagem artística contemporânea. Tchekhov, o autor-médico - para quem a medicina era a esposa e a literatura, sua amante - abandonou a subjetividade adotando a concisão e a objetividade. O enredo era visto por ele como um mero coadjuvante, o que realmente importava eram as personagens, sua sutilezas e contradições interiores. Como dramaturgo, ele inovou a arte dramática a tal ponto que é difícil encontrar em suas peças componentes obrigatórios do enredo de drama, afinal, como ele mesmo dizia, seu credo estava na “importância das coisas não importantes.” O tempo é figura constante em suas peças. Ele estabelece uma ligação entre o cotidiano da vida humana e a eternidade. Tchekhov queria mostrar em sua obra que por trás das banalidades e trivialidades do cotidiano, há um mundo de conflitos trágicos e, foi seguindo essa linha que ele se tornou um dos grandes nomes russos, inesgotável na arte, no humano e no saber ser novo. Entre suas principais obras estão: "A dama do cachorrinho e outras histórias", "A gaivota", "O assassinato e outras histórias" e "O beijo e outras histórias."


“O homem russo tende a admitir
a participação da loucura e da desordem
na instituição da ordem.”

Aurora Bernardini


Todos esses nomes têm uma característica em comum que sempre me chamou atenção. São personalidades singulares, misteriosas, marcadas por intensos conflitos internos. É justamente desses conflitos internos que nascem grandes escritores, aqueles que resgatam o poder crítico revelador dos abismos e das profundezas da alma humana, que se fazem contemporâneos e eternos, deixando-nos um rico percurso que deveria ser por nós valorizado e conhecido, para que possamos lançar um olhar de mudança em direção à literatura dos dias de hoje, cada vez mais vazia de sentido, crítica e reflexão. Talvez, seja por isso que os escritores russos, de uma maneira geral, exercem um fascínio tão grande no mundo atual. Eles preservam a qualidade de texto, a identidade do estilo, a riqueza das contradições, os abismos negros de nossa alma, a densidade e a complexidade da vida, traduzida também na densidade e na complexidade de algumas de suas obras. Os russos nos fazem lembrar o que é a verdadeira arte, no sentido mais sentimental e incompreendido que lhe é peculiar. Ninguém deveria deixar de conhecer uma obra clássica da literatura russa, já que ela é do tipo que transforma, amadurece, inquieta o leitor. É especial e indefinível, talvez por que menos transparente, menos fácil, tal como um grande amor. Depois de ler uma obra como "Os Irmãos Karamázovi", de Dostoiévski, por exemplo, é impossível ser o mesmo de antes. Fecha-se a última página com aquela sensação de que muito se conheceu, muito se respondeu, mas de que há ainda muitas outras perguntas a serem respondidas neste vastíssimo oceano de segredos que é o coração humano. A Revista "Cult", ao valorizar esses ícones da literatura mundial, acerta mais uma vez.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Palavras

Confesso que não sou uma pessoa que entenda muito de computador, tampouco conheço o infinito universo de ferramentas e possibilidades que ele gentilmente nos ofereçe. Bom, o fato é que esses dias descobri uma ferramenta muito interessante, com certa veia artística e poética, o Wordle, um programa que transforma qualquer texto em uma verdadeira atração visual. Vale a pena gastar alguns minutos neste que é tão fácil de operar. O site para acesso é o www.wordle.net. Para começar a diversão basta clicar na opção create, depois escrever um texto, clicar em GO e o programa cria as tradicionais nuvens de palavras. Depois de pronta a nuvem, você ainda tem a opção de alterar a cor, o tipo e a posição da fonte. O próprio Wordle também gera um código ao final que permite o uso da sua criação no seu blog por exemplo, tal como o faço eu agora.

Wordle: Untitled

clique para ampliar

"Poetinha"

Escrevi algumas coisas durante as férias, entre elas textos, poemas, rascunhos de minha divagação, da minha solidão, em meio aos sorrisos por vezes disfarçados, nem sempre realmente satisfeitos, mas também verdadeiros, completos. Letras que me ajudam a encontrar um sentido no caminho, letras que são minhas, nas quais me sinto realmente representada. Nelas há contradição, dualidade, e alguma alegria, posto que ela nos dá razão em meio a tanta irracionalidade.

Que olhos os teus
Povoam meus sonhos
Passeiam nos meus retalhos
Pacificam os meus guardados

Que olhos os teus
Iluminam o meu passado
Incendeiam a minha pele
Inquietos por entre meus lábios

Que olhos os meus
Brilham admirados
Choram arrepiados
Quando os reconhecem nos teus

M.V

Sugestiva, apropriada, interressante...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Oi, esse Brasil lindo e trigueiro é o meu Brasil Brasileiro

Nada como regressar relembrando as férias, coisas que vi, ouvi e senti. Mais uma vez, encontrei-me com toda magia, beleza, e efervescência cultural da Cidade Maravilhosa, o Rio de Janeiro. Mas, além da constante sensação de férias - que no Rio são de cunho social e histórico e podem durar séculos, e do fato dele combinar o prazer e a evasão a uma forte sensação de melancolia, para resgatar as palavras daquele que tão poeticamente falou sobre o Brasil, o italiano Alberto Moravia - minhas visitas ao Centro Cultural do Banco do Brasil me renderam experiências interessantes e algumas surpresas. Fui à inauguração da Exposição Brasil Brasileiro (desde já fica aqui meu aviso aos navegantes, a exposição vai até o dia 5 de abril de 2009, pode ser vista de terça a domingo das 10h às 21h no Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro).
O título da exposição foi retirado das primeiras estrofes de Aquarela do Brasil, música e letra de Ary Barroso, uma das expressões culturais que mais representam nossa brasilidade. A exposição tem como principal objetivo espelhar nossa identidade cultural através da pintura. Obviamente, isto não deixa de ser uma pretensão, já que é impossível reunir todos os aspectos de nossa tão vasta e, por vezes, incompreendida identidade nacional em uma única exposição, por mais abrangente que esta seja. Nas palavras dos organizadores da mostra, a exposição na realidade não tem pretensões, “é simples como uma tarde de sol, num domingo à beira-mar”.

NOSSA GENTE

Nossas mulheres, nossos campos, nossa força, tão bem representada pela artista nos traços marcantes, nas cores fortes.


Anita Malfati, Tropical

O colorido de Pancetti se repete em muitas outras obras da exposição, a mulher aparece novamente aqui como personagem principal, até parece que elas se deixam levar, lavar....

Jose Pancetti, Lavadeiras do Abate

Brasil Brasileiro abarca dois séculos de pintura brasileira, moderna e contemporânea, agrupadas de modo a captar aspectos temáticos em torno dos quais se estrutura a exposição, são eles: nossa terra, nosso povo, nossas festas, nossas crenças, nossos sonhos, nossos desafios e nossas lutas. Em busca de retratar a alma brasileira, a exposição traça um compromisso com a nossa terra e nossa gente e traz nomes da nova geração de pintores modernistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cícero Dias, nos quais predominavam, de fato, elementos da cultura brasileira. Não faltam as pinturas com claro envolvimento político, em meio a outras que nunca deixaram de conservar certo aspecto lírico, como as de Guignard Volpi, ou aquelas que retratam a sensualidade dos dias quentes, ensolarados, como as de Di Cavalcanti. Para quem gosta dos números são 180 pinturas de 70 artistas, oriundas de mais de 50 coleções públicas e privadas.
Brasil Brasileiro com seu misto de cor, talento e sensibilidade mostra um pouco do que muitos entenderam ser o Brasil e o brasileiro. Ela esbarra em alguns estereótipos que nos fazem lembrar a imagem exótica e distorcida que o olhar europeu formou de nossa gente e de nossos costumes, imagem esta que, no entanto, foi sendo superada conforme os hábitos tropicais tomavam conta de nossa arte e, principalmente, a partir da primeira metade do século 20 com os modernistas e o movimento antropofágico. A exposição encanta e canta o Brasil, suas belezas naturais, sua diversidade, suas contradições, sua história. Ela é tão vasta como nosso território e tão sonhadora e idealista como nossa alma. Neste ponto, a meu ver, alcança seu objetivo de ser nossa terra, nossa gente, ao menos em parte. Vale a pena ver e conhecer-se um pouco mais.

NOSSO SONHOS

O quadro traz toda cor, movimento e um certo concretismo de uma festa que é explosão, síntese. Carnaval, nele nós somos, acima de tudo, sonhos.


Emiliano di Cavalcanti, O Grande Carnaval

Mais que nunca é preciso cantar,
É preciso cantar e alegrar a cidade
Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, Marcha da Quarta-feira de Cinzas

NOSSAS LUTAS

No quadro os punhos cerrados, a força, que permeia a ação de uma multidão, abstrata, que luta mesmo sem saber o porquê de sua luta, mesmo que inutilmente. Um pouco do brasileiro, do homem.

Claúdio Tozzi, O público

Mas sei
Que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
João Bosco e Aldir Blanc
O bêbado e a equilibrista

NOSSA TERRA

As casas, as ladeiras, quadro realista mas que permite a curiosidade, já que as portas estão abertas, e é sempre possível querer olhar mais fundo, melhor.

Yoshiya Takaoka, Rua dos Sapateiros



Da autora

Decidi voltar, de cara nova, um tanto renovada, refazendo as emoções, tentando acalmar um pouco meus, desde sempre, conflituosos e contraditórios pensamentos. Um tempo longe é bom, desde que não seja tão longo a ponto de te fazer perder certas coisas. A verdade é que, nos últimos dias, experimentei o que dizia sabiamente Machado de Assis, decidi matar o tempo e, confesso que estava esperando que ele me enterrasse, afinal, como dizia o Escritor, nós matamos o tempo e ele nos enterra. No entanto, pensando melhor, decidi não me enterrar tão cedo e já que esse ano será um pouco menos cheio de atividades em comparação com o ano que passou, acredito que terei mais tempo de me dedicar aos livros, letras e impressões. Compartilho da seguinte opinião, se acha que uma coisa já não está ficando tão bonita, seja por falta de tempo ou estado de espírito, pare, permita-se parar, para conversar a beleza que ela um dia teve e refletir sobre a beleza que ela ainda pode ter. Ou, como diria Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:


Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua tôda
Brilha, porque alta vive.

(Odes de Ricardo Reis)