segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Leia pra mim "kid"

“A sociedade acredita que é guiada pela moralidade, mas isto não é verdade. Somos guiados, acima de tudo, pelas leis.” Esta é uma das muitas frases ditas ao longo de O Leitor, filme dirigido por Stephen Daldry, que já está em cartaz na maioria dos cinemas. O Leitor pode ser considerado um daqueles filmes bem feitos, com uma história muito bem contada, temperada com uma doze certa de mistério e sensualidade.
A história, basicamente, gira em torno de um adolescente, Michael, que se envolve com uma mulher mais velha. Inicialmente, ele não sabe sequer o seu nome, mas passa a viver um romance com ela. Depois de alguns encontros, Michael descobre o primeiro nome daquela mulher tão conflituosa, capaz de atitudes um tanto rudes e, ao mesmo tempo, carregadas de sensualidade e prazeres inesperados, seu nome, Hanna. Durante os encontros entre Michael e Hanna, a última pedia para que ele lesse histórias. Todos os dias, Michael chegava com um novo livro e o lia para Hanna, de forma original e até comovente. É fácil notar o fascínio que os livros exercem sobre Hanna. Ela se emociona com cada palavra, ao mesmo tempo, também se irrita e se envergonha diante de outras. Certo dia, Hanna vai embora e Michael a revê apenas oito anos mais tarde, ao acompanhar - como estudante de direito - um julgamento em que Hanna é uma das rés. Na ocasião, lhe é revelado o passado de Hanna como guarda de um campo de concentração nazista durante a II Guerra Mundial. No julgamento em questão, ela é acusada de diversos crimes, entre eles, ter deixado que 300 mulheres morressem queimadas dentro de uma igreja.
A história vai se desenrolando de forma bastante natural e atraente, não pretendo contá-la aqui, o melhor é que todos assistam e sintam, mas quero apenas colocar alguns pontos que me marcaram nesta história de medos e segredos escondidos pelo tempo. A primeira delas é a questão da verdade, do certo e do errado. Como essas idéias são relativas! No filme isso fica claro. É impossível não concordar com a seguinte afirmação de uma das vítimas do campo de concentração: “nutrir pena por alguém que foi tão cruel é obsceno”, mas, ao mesmo tempo, também é impossível deixar de se comover com o final dramático de Hanna e com um dos segredos que habitam o coração desta intrigante mulher. Aqui, entram os equívocos que cometemos quando não olhamos para todos os lados, quando julgamos apressadamente, ou quando não resistimos ao impulso de acusar, apontar.


Cena do filme "O Leitor"

O pano de fundo da trama, recorrendo ao drama e à tragédia dos campos de concentração, nos leva a refletir sobre o fato de que aqueles que estavam dentro das câmeras de gás, não foram as únicas vítimas. Aqueles que fechavam as portas das mesmas câmeras também sofreram, se desconstruíram enquanto seres humanos, sofrendo um processo de desumanização para que se metamorfoseassem em algozes. Hanna, como ela mesma admite várias vezes, cumpria apenas a sua função: era responsável pelos mortos. Quem pode dizer até que ponto ela está certa ou errada? O fato é que as suas culpas, seus fantasmas e seus medos não a abandonam. Eles proporcionaram uma mistura única e criaram uma mulher extremamente endurecida e sensível, que se emociona ao ver crianças cantando, brincando, ao ouvir as palavras de um livro. A segunda delas diz respeito às marcas, sim às marcas que a história e a vida nos deixa, particularmente, marcas deixadas por algumas pessoas que passam pela nossa vida e nunca mais saem dela, passe o tempo que passar. Michael carrega em si a marca de um amor, um amor entre um jovem e uma mulher que o fascinava pelos seus mistérios, pela sua autêntica sensualidade. Uma mulher que ele nunca esqueceu, que se chegou a odiar em alguns momentos do julgamento, concluía que a amava segundos depois, com todas as inseguranças e os impulsos da juventude. A sua atração aumentava na mesma proporção em que os mistérios em torno de Hanna também aumentavam. O fato é que Michael torna-se o único a saber do segredo de Hanna, um segredo capaz de lhe causar mais vergonha do que a responsabilidade direta pela morte de 300 mulheres. Mas, talvez o mais interessante, seja o fato de que ele a conhece tão bem a ponto de saber que esse segredo poderia salvá-la da prisão, mas não da sua própria dignidade, portanto, o mantém secreto. Ele opta por continuar sendo apenas seu Leitor, conduzindo-a de forma emocionante para a mais essencial de todas as sua lições. Por essas e outras, o filme, fruto de um livro, merece ser visto. Ao menos uma coisa eu posso garantir, ele vai levá-lo a questionar todas as suas mais profundas verdades!

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