terça-feira, 16 de setembro de 2008
Da autora
Mulheres da literatura
E o que dizer de Madame Bovary, a mulher marcante de Gustave Flaubert, não por acaso, ou se por acaso for, adúltera, amante, impetuosa, apaixonada, misteriosa. Madame Bovary envolve-se de corpo e alma. Ao ler a obra e as palavras que se referem a ela, não se sabe ao certo como ela é, mas se tem certeza de como ela não é. Uma Madame que não hesitou em ser o que é em essência, manteve-se fiel ao seu interior até o fim - fim trágico - mas fim, mesmo que ditado por uma dose de veneno.
E o que dizer da nossa Capitu, de seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada, de seus olhos de ressaca, expressões fortes, simples e reveladoras da alma de muitas de nossas mulheres. Só poderiam ser cunhadas por Machado de Assis. A sua Capitu, sem dúvida, representa muitas mulheres. Uma Capitu esperta, e, ao mesmo tempo, ingênua, impetuosa, corajosa e confiante. Uma mulher que traz para si tudo e todos apenas com o olhar. Uma mulher que mente e encanta, fascina e corrompe. Capitu não escolhe a morte como Anna Kariênina e a nossa querida Emma (Madame Bovary), talvez porque ela fosse viva demais, confiante demais, a cigana digna dos feitiços da alma e do corpo. Anna e Emma nem por isso foram menos ambíguas, fortes e encantadoras, o fato é que estas não portavam a confiança e a total capacidade de ser duas, como Capitu. Elas optaram pela morte, talvez, porque só por meio desta poderiam ser quem elas realmente gostariam de ser. Não tinham os olhos dissimulados de Capitu e sim olhos de angústia e latência, olhos de atitudes desesperadas que se traduziram no veneno de Madame Bovary e no trilho do trem de Anna Kariênina.
As mulheres de nossa literatura são no mínimo instigantes, diferentes e curiosas, daí concluo que a heroína, aquela que é digna de ser o centro de uma história, não é necessariamente a que porta a moral e os bons costumes e sim aquela que é autêntica não importando se para o bem ou para o mal.
O destino final de Anna Kariênina
Capitu: "Olhos de cigana oblíqua e dissimulada, olhos de ressaca"
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
O JORNALISMO alternativo ao "jornalismo"
É justamente nesse contexto de "volta da democracia" que Lúcio Flávio Pinto decide lançar o seu próprio jornal alternativo. Lúcio já era um jornalista experiente. Ele era repórter do jornal O Liberal, maior veículo de comunicação do Norte e Nordeste do Brasil. O Jornal se recusou a publicar informações que Lúcio reunira em três meses de investigação sobre o assassinato do ex-deputado estadual Paulo Fonteles. O caso envolvia interesses grandes demais para permitir uma cobertura isenta, por isso não só O Liberal, como também outros grandes jornais do país, deixaram este fato de total relevância jornalística passar em branco. Lúcio decide, portanto, criar o Jornal Pessoal e nele publica a matéria que fora rejeitada por O Liberal. O Jornal Pessoal já surge com uma matéria de grande impacto jornalístico, com investigação séria e análise crítica dos fatos, o que vai ser uma marca das demais reportagens do jornal.
O Jornal Pessoal também publicou grandes reportagens que foram simplesmente ignoradas pela grande imprensa, como a que se refere à entrada do narcotráfico no Pará, tendo como foco o assassinato do jovem empresário Bruno Meira Matos. Podemos perceber claramente que, infelizmente, nós convivemos com uma imprensa cada vez mais conivente, parcial, que prefere as declarações às informações. Afinal, as primeiras comprometem quem as deu e não a imprensa, já as informações, são de inteira responsabilidade de quem as publica. A grande imprensa esqueceu um dos maiores princípios do jornalismo: a investigação e o está substituindo pela preguiça, preguiça essa que se traduz em uma cobertura superficial, que não informa, muito pelo contrário, chega até a desinformar, tendo como base um jornalismo de press-release (informações prontas). O Jornal Pessoal não tem publicidade em suas páginas, o conteúdo é puramente informativo, e toda produção jornalística é feira por Lúcio Flávio Pinto.
O jornalismo investigativo praticado por ele já lhe rendeu diversos processos judiciais aos quais ele responde desde outubro de 1992, além de um fato no mínimo covarde. Todos se lembram do episódio em que Lúcio foi espancado e ameaçado de morte pelo empresário Ronaldo Maiorana, diretor-editor-corporativo do jornal O Liberal em um restaurante de Belém do Pará. Esse triste e vergonhoso episódio, apenas mostra que os resquícios do autoritarismo, as seqüelas da autocensura que decorrem da censura direta sofrida durante a ditadura militar e as formas de barbárie e opressão continuam latentes nos dias atuais. Voltamos àquela contradição a que me referi no começo deste texto. Tem sentido um jornal alternativo ser lançado em um período no qual as liberdades estão de volta e a imprensa é livre para informar e investigar os fatos? Afinal a ditadura acabou não é? Hoje somos livres, pensamos e fazemos o que queremos, não há censores, muito menos porões de tortura. O fato é que quando analisamos a trajetória do Jornal Pessoal, um símbolo da luta pela liberdade de imprensa na Amazônia, vemos que a censura está mais viva do que nunca nas redações brasileiras, a diferença é que ela não é oficial, e sim, sutil, mascarada pelos interesses dos grandes empresários da comunicação, que há muito não fazem jornalismo para o público e sim pelo lucro. A grande imprensa simplesmente abdicou de sua capacidade de investigação e de contestação responsável. O Jornal Pessoal é um exemplo de jornal alternativo, alternativo a todos os jornais que simplesmente se recusam a fazer jornalismo, alternativo à preguiça, ao silêncio conivente e oportunista da grande imprensa, à defesa de interesses escusos, à informação pronta e copiada, à falta de ética no exercício da profissão e no trato do interesse público. Um alternativo sério, responsável, que sabe fazer oposição, porque sabe o que diz e o que quer, não vive de especulações e posições extremadas. É, no mínimo curioso, o fato de querermos nos considerar uma democracia, afinal, democracia, liberdade e amplo acesso à informação não combinam com jornalistas que são espancados e jornais que não têm liberdade de expressão quando criticam os detentores do poder ou contrariam interesses econômicos, principalmente, em regiões afastadas do centro econômico e político do país, onde se pressupõe que vigora uma terra sem lei!
O Jornalista Lúcio Flávio Pinto
domingo, 17 de agosto de 2008
Kafka de ontem, de hoje, de sempre
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
Tempos olímpicos e reflexões nacionalistas
Um nacionalismo que surge hoje e desaparece amanhã é tão frágil que chega a dissolver-se no ar sendo também dispensável, posto que não acrescenta nada, a não ser a ilusão da existência de um maquiado sentimento de pertença. O nacionalismo brasileiro não é nacionalismo, se é que me entendem, já que ele não é constante, muito menos controlado. Ao contrário do que se espera de um sentimento nacionalista ele é esporádico, dá as caras de repente, quando quer e quando o momento se faz oportuno. Nestas ocasiões, as pessoas se vestem de verde e amarelo, fingem saber a última parte do hino nacional, torcem pelo seu país e pelo seu povo, acompanham tudo pela televisão, praticamente se fundem aos atletas olímpicos quando da ocasião de uma Olimpíada e, exageram nas manifestações, como se elas mesmas quisessem acreditar no que dizem e fazem. Aproveitando que me referi à mídia, ao falar na televisão, quero dizer que esta é outra que cumpre seu papel “nacionalista” na íntegra durante as atuais Olimpíadas de Pequim, dando notícias olímpicas vinte e quatro horas por dia, interrompendo qualquer outra programação para mostrar um lance, uma vitória, um momento, ou qualquer outro sinal que venha de Pequim. Como já disse anteriormente, não sou contra o nacionalismo, ele é realmente importante e essencial, mas não é o verdadeiro nacionalismo esse que cultivamos aqui no Brasil. Por que só falar de Brasil em épocas Olímpicas, por que amar o seu povo e torcer por ele tão esporadicamente? Sempre achei de um equívoco muito grande o fato de locutores esportivos ao narrarem um jogo do Brasil, por exemplo, dizerem “Vai Brasil, Vai Brasil”, esta fala realmente cria a ilusão de que é o Brasil, país, povo, cultura que está lá, e na verdade não é. Quem está lá no campo, jogando, é a seleção brasileira, ou os atletas brasileiros, a equipe brasileira, no caso de uma Olimpíada. Não devemos misturar as coisas, pelo menos não deveríamos.
O Brasil é muito mais do que aquilo que vemos em uma Copa do Mundo ou em uma Olimpíada, há muito mais pelo que torcer, há muitas coisas a serem conhecidas e valorizadas dentro deste país tão grande e, ao mesmo tempo, tão esquecido. Se fossemos nacionalistas, estaríamos defendendo a Amazônia, constantemente saqueada e comprada por estrangeiros, e todo nosso patrimônio e riquezas naturais. Se fossemos nacionalistas, estaríamos preocupados em mudar, ou pelo menos, tentar mudar e melhorar nossa política, cada vez mais impune e desonesta. Se fossemos nacionalistas, olharíamos mais para tantos brasileiros que vivem nas ruas, ou em tantas outras situações, sob condições desumanas, com mais atenção e consideração e não com aquela resignação conformada, momentânea e, por vezes, indiferente. Se fossemos nacionalistas, não seríamos tão desiguais, tão inversos, tão cordiais. Não é sendo brasileiro só de vez em quando que estaremos construindo um real sentimento de amor e pertença por nosso país. O nacionalismo é antes de mais nada algo constante, ele existe em olimpíadas, guerras, crises, sucesso, derrota, ou em qualquer outro contexto pelo qual passe o país ao qual ele se remete.
Ninguém ama o outro de vez em quando, pelo menos não em essência, sendo assim, ninguém é nacionalista quando quer, se isso acontecer, já não estamos falando de nacionalismo e sim de um sentimento passageiro e superficial. Que o entusiasmo, a beleza, a euforia e toda torcida pelos times e equipes brasileiros nessa magnífica e monumental Olimpíada de Pequim nos sirva de exemplo e lição, pois enquanto não aprendermos que ser brasileiro é diferente de apenas torcer em um futebol ou em uma Olimpíada continuaremos fadados ao estigma de sermos um estado sem nação, ao contrário daqueles tantos que foram uma nação antes de serem um estado!
O Movimento "Caras Pintadas" - momento de nacionalismo verdadeiro e democrático
sábado, 9 de agosto de 2008
O Princípe, de Maquiavel
Seguem alguns trechos de O Príncipe que me impressionaram quando da leitura do livro, pela aplicabilidade que podem ter na sociedade atual e também pela veracidade de suas constatações:
As amizades conquistadas por interesse, e não por grandeza e nobreza de caráter, são compradas, mas não se pode contar com elas no momento necessário. Os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, devido a serem os homens pérfidos, é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca.
É muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha que falhar numa das duas.
Os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a perda de seu patrimônio.
Tão simples são os homens, e obedecem tanto às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar.
Os homens, em geral, julgam mias pelos olhos do que pelas mãos, pois todos podem ver, mas poucos são os que sabem sentir. Todos vêem o que tu pareces, mas poucos o que és realmente.
Um príncipe deve estimar os grandes, mas não se tornar odiado pelo povo.
A prudência está justamente em saber conhecer a natureza dos inconvenientes e adotar o menos prejudicial como sendo bom.
O príncipe deve sempre manter integral a majestade de sua dignidade, a qual não deve faltar em nada.
Os homens sair-te-ão sempre maus, se por necessidade não se fizerem bons.
Não desejarias cair só por creres que encontrarias quem te levantasse. Isso ou não acontece, ou, se acontecer, não te dará segurança, porque é fraco meio de defesa o que não depende de ti. E somente são bons, certos e duradouros os meios de defesa que dependem de ti mesmo e do teu valor.
Maquiavel
Os homens são felizes enquanto o seu modo de agir e as particularidades dos tempos concordarem. Não concordando, são infelizes.
As injúrias devem ser feitas todas de uma vez, a fim de que, tomando-se-lhes menos o gosto, ofendam menos. E os benefícios devem ser realizados pouco a pouco, para que sejam mais bem saboreados.
O objetivo do povo é mais honesto do que o dos poderosos; estes querem oprimir e aquele não ser oprimido. O pior que o príncipe pode esperar de um povo hostil é ser abandonado por ele. Mas, dos grandes, deve temer que o ataquem.
O príncipe prudente deve cogitar da maneira de fazer-se sempre necessário aos seus súditos e de precisarem estes do Estado; depois, ser-lhe-ão sempre fiéis.
Conhecendo-se os males com antecedência, o que não é dado senão aos homens prudentes, rapidamente são curados: mas quando, por se terem ignorado, se têm deixado aumentar, a ponto de serem conhecidos de todos, não haverá mais remédio àqueles males.
segunda-feira, 28 de julho de 2008
"No mar estava escrita a história de uma cidade."
Admirei o fato de o Rio de Janeiro ser uma cidade que homenageia por toda parte aqueles que buscaram inspiração na sua gente e na sua beleza e, de alguma forma, fizeram história no Brasil e no mundo. No bairro do Flamengo há uma região chamada Largo do Machado, onde morava o Escritor (digno da letra maiúscula) Machado de Assis, em uma casa que hoje já não existe mais. No Jardim Botânico há um espaço homenageando Tom Jobim, que buscava conforto e inspiração para suas canções na paz e na beleza do lugar. José Alencar também ganhou um monumento em sua homenagem, e os bustos de D.João espalham-se pela cidade que ele preparou para ser digna de abrigar a corte portuguesa. Tive o imenso prazer de me sentar ao lado de Carlos Drummond de Andrade nas ondas do calçadão da praia de Copacabana. O Poeta, que também é digno da letra maiúscula, estava sem os óculos arrancados pela sétima vez, se não me engano, mas conservava o ar pensativo e simples que marcou toda sua vida na cidade, que como ele mesmo descreveu, teve sua história escrita no mar.
Foi uma viagem que valeu a pena por ter me proporcionado aquela felicidade gratuita, que vem naturalmente, marcando-nos de alguma forma, e também porque dela levo muitas coisas que vi e aprendi. Termino este texto e resumo minhas impressões desta vigem, com uma poesia daquele que ainda habita imóvel o coração desta cidade.
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Palavras que valem mais do que o silêncio
Os mecanismos de poder, os modos de produção e os sistemas de expropriação, que nos são comumente apresentados como produtos do destino, enfrentam o confronto dos fatos na história deste continente e são claramente desmistificados. Como resultados da criação humana, eles podem ser modificados. Mas a mudança exige ciência e consciência. Daí a importância da leitura deste livro.
quarta-feira, 9 de julho de 2008
Uma história
O bom jornalismo realmente é aquele feito de boas e surpreendentes histórias como esta que acabei de conhecer por meio do Profissão Repórter, um programa da Rede Globo que mostra os bastidores da notícia e todo trabalho que envolve a realização de uma reportagem, o programa é sem dúvida alguma um dos poucos redutos do bom jornalismo na televisão brasileira atualmente. Imaginar que uma senhora de 74 anos, que já viveu e passou por muita coisa na vida precisa se prostituir por trinta reais, como ela conta na reportagem, é algo triste que chega a doer em pessoas que ainda têm um mínimo de sensibilidade. Não estou encontrando palavras para expressar minha indignação e tristeza perante uma história como essa, que país é esse onde as pessoas têm que se submeter a situações tão humilhantes simplesmente porque não encontram outra forma de sobreviver a essa selva na qual vivemos, que país é esse que não respeita seus idosos, que têm homens capazes de usar e abusar de alguém que deveria estar tendo uma velhice digna e serena, como ela realmente tem que ser. A prostituição é algo conhecido pela grande maioria dos brasileiros, mas, as suas distorções são algo impressionante. Estas distorções acontecem quando ela envolve jovens e idosos, nestes casos o que já é algo degradante torna-se simplesmente indefinível, insuportável, revoltante.
terça-feira, 8 de julho de 2008
Destinos femininos
Esses acontecimentos aproximaram duas mulheres distintas e semelhantes, fortes e frágeis, sensíveis mas, ao mesmo tempo, decididas. Ruth Cardoso caracterizava-se pela combinação de elegância e despretensão, de sofisticação intelectual e simplicidade, uma antropóloga que se construiu como tal, no mais puro e simples sentido da profissão. Partiu dela o programa social Comunidade Solidária, do governo FHC, um verdadeiro programa social, próximo do modelo do Welfare State americano, um programa social que não só ajuda como também prepara e cria verdadeiras portas de saída. Ruth foi lembrada com respeito e admiração unânimes no momento de sua morte, talvez ela nunca tivesse tido consciência em vida de sua própria dimensão, afinal, esse tipo de certeza só se impõe claramente em sua plenitude como produto do trabalho da morte. Ruth podia não gostar mas era primeira e dama no sentido mais literal de ambas as palavras.Ingrid Betancourt parece muito com Ruth Cardoso, basta lembrar dos olhos e do semblante firme que ela nunca deixou de portar, mesmo nos momentos mais difícies de sua longa estada junto às FARC. Ingrid foi feita refém por fazer a diferença e, como uma ironia do destino, e elas são tantas, agora sua libertação também fará toda diferença. Mas discutir as questões geopolíticas do fato não é o objetivo deste texto, deixemos que outros veículos informativos se encarregem de informar esta parte da questão, muitas vezes simplificando os fatos.
Aqui, falaremos dos aspectos humanos e das características de uma mulher que se diz feliz e madura, mesmo depois de anos de toda sorte de sofrimentos possíveis e eu diria até inimagináveis. Esta é uma das peculiaridades das grandes mulheres, elas sofrem mas não se fazem de vítimas, ao invés disso, sobrevivem, agem e se afirmam, reforçando a sua luta e seus ideais. Ingrid dá uma lição a todos aqueles que se vitimizam por qualquer bobagem e é um exemplo da determinação e da luta que marca o espírito e o caráter de tantas mulheres.Dois destinos femininos, duas mulheres, uma mesma expressão serena. Ruth Cardoso e Ingrid Betancourt são um exemplo, um conforto e uma certeza de que nem tudo está perdido. A partida de Ruth e o retorno de Ingrid são uma chance para restabelecermos com urgência no Brasil e no mundo a fronteira entre o verdadeiro e o falso, o correto e o maldoso, o justo e o injusto.
Ruth Cardoso
Do contemporâneo e dos limites
As verdadeiras fronteiras são as do pensamento.
Millôr Fernandes
terça-feira, 1 de julho de 2008
Passeio, família, felicidade...
Não vou descrever os lugares, este não é exatamente o objetivo deste artigo, álias, aconselho ao leitor que os conheça. Mas o que realmente me impressionou foi o contato com a família que nos recebeu. A casa era simples, pequena e um tanto quanto aconchegante, a comida era farta, saborosa, suficiente para o corpo e para a alma. A família era composta por filhos e netos de um casal que construiu uma vida juntos, baseando-se no companheirismo e no respeito, menos efêmeros que o amor, que às vezes cobra demais e quando se vê já se passa. Nem por isso o amor me pareceu ausente, pelo contrário, considerei-o algo que transbordava em cada ato de carinho ou até de punição humanamente responsável daquela família, mas era um amor natural se é que me entendem.
Quando cheguei em casa vi que esse passeio não foi como tantos outros que eu havia feito, em tantos outros momentos, foi um passeio aparentemente normal, simples, mas que me fez pensar sobre o que é necessário para que se encontre a tão sonhada felicidade, aquela que tantos falam e poucos têm. Dei-me conta disso quando liguei a TV, hábito esse que não sei quando vai me abandonar, e, oportunamente, bom pelo menos acho que foi oportuno, vi uma das cenas da atual novela das oito da Rede Globo, A Favorita. Confesso que sempre pensei que novelas não são capazes de acrescentar nada às pessoas, mas neste dia vi que até aquilo que não acrescenta em nada pode servir de fato para algo construtivo, deixemos o maniqueísmo de lado, assim como ninguém é bom ou mau em essência, nada é inútil ou desnecessário por completo. Mudei, em parte, minha opinião. Vi uma cena que mostrava uma família, aparentemente com os personagens centrais da trama, a casa era luxuosa e grande, ao mesmo tempo vazia e vulnerável, a comida era farta e exagerada e as relações entre pais e filhos (como já diria Renato Russo) eram um tanto quanto frágeis e desequilibradas. O amor era excessivo, as lágrimas exageradas, as dores inventadas, o importante não existia e o descartável sobrava. Não enxerguei na família da ficção, que não deixa de representar tantas famílias da realidade, o brilho e a segurança no olhar que reconheci nos olhos da família de Porto Feliz, onde eles pareciam dizer uns aos outros “eu sei que posso contar com você." Resumindo, não encontrei a felicidade da qual tive o prazer de compartilhar naquela tarde, naquele passeio, felicidadade que brota daquilo que se convencionou chamar de "família de verdade." Dormi pensando em uma frase de Tolstoi, com a qual ele começa o seu romance Anna Karenina, a frase dizia: “todas as famílias felizes se parecem." Quando finalmente peguei no sono vi que, somente naquele dia, tinha entendido o significado da frase.