quinta-feira, 30 de abril de 2009

Apenas vivo


Depois do choro vem o riso
Porque a promessa existe
Porque depois da tempestade
Sempre vem o sol
Vem a calma
Depois da turbulência
Tudo e nada muda
Volto a olhar pela janela
Firme
Confiante de que ainda existe beleza
Beleza efêmera ou profunda
Beleza nos teus olhos
No riso de meus amigos
Em uma conversa tonta
Mas que faz doer a barriga
Faz sorrir
De repente
Pela riqueza e pelo prazer da autenticidade
Ser autêntico no que faz
No que espera de si mesmo
E dos outros
Como é bom pelo menos um dia
Sentir que houve felicidade
Sentir que não estávamos ligando pra nada
Eu só quero ser feliz
Quem me dera ao menos uma vez
Curar esse mundo doente
Sangrei sozinha
Quero ver tudo que eu ainda não vi
Sempre foi assim
Eu quero rir loucamente
Quero beijar quem eu quiser
Do jeito que eu quiser
Quero fazer de tudo
Experimentar mais do que já experimentei
Só com você
E temos tempo
Temos todo tempo do mundo
Temos nosso suor sagrado
Ainda somos como nossos pais
As aparências não enganam não
Não enganam mais
Ai como eu quero lembranças
Que me enterrem
Me mordam
Quero pesadelos horríveis
E sonhos celestes
Para separar o bem do mal
Não pelo simples maniqueísmo
Eu quero mais
Quero o complexo
O não tão facilmente explicável
Quero a vida de verdade
Não vou fazer mais nada
Que me deixe insuportável
Vou amar você
De qualquer jeito
Eu vou tirar você desse lugar
E não me importa o que os outros vão pensar
Ando tão à flor da pele
Eu estou chovendo muito mais do que lá fora
Sei mais caminhos que os meus sapatos
E sei que vou viver
Por muito tempo ainda
Das lembranças de nós dois
Porque a vida é mesmo coisa muito frágil
Uma bobagem, uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama
Minha personalidade é forte
Mas minha alma é tímida
Meu olhar é instantâneo
Quero cair de um precipício
O mais alto de todos
E sair voando
Voar sem rumo
Pelas linhas do meu destino
Pelas diagonais das minhas esquinas
Quanta besteira
Quanto desvio
Isso é loucura
Se é loucura então melhor não ter razão
Pra que fingir
Que bobagem essa mania de fingir negando a intenção
Você sabe que só você me entende
Do princípio ao fim
Só você vai curar o meu vício
E assim ando com meus amigos
E amores impossíveis
Coincidência ou não
A maioria deles
Sempre foram assim
Impossíveis
Mas eles sabiam
Amigos e amores
Que eu via o mesmo que eles
Quase sem querer
E quase sem querer te amo
Amor meu grande amor
Porque depois de você
Os outros serão só os outros
E eu continuarei a contar minha história
Nossa história
Neste mundo que termina na fina fronteira dos nossos lençóis
Em nós
Sei que tudo lá fora mudou
Que o tempo passou feito um louco quebrando as vidraças
E a gente ficou
Mas eu ainda quero mudar o mundo
Não sei até quando
Mas tem muitas coisas que eu ainda quero
Uma ideologia pra viver
Ar e livros
Sexo e sentidos
É tudo que eu preciso
Não me atrai o atraso
Muito menos a superficialidade do insensível
E continuarei irritando-me com o que não concordo
Podem me chamar do que quiserem
Mas eu vivo
Eu apenas vivo

M.V

terça-feira, 28 de abril de 2009

Sem nome


Ontem chorei muito
Chorei como alguém que só sabe chorar
Chorei por tudo
E por nada
Chorei pelo que não sei
Chorei minha alma
Revivi meus traumas
Visitei minha solidão
Lembrei da minha vontade de viver
Mudar
Exigir o impossível
Bebi sem trégua
O álcool do meu fim
A tentação do meu infinito
No limite da minha casa
Chorei como quem se entrega
A um caos sem sentido
A uma atração irresistível
A uma poesia do outro mundo
A uma história maior
Maior do que eu
Maior que você
Maior que todo o resto
Resto de lágrimas guardadas
Entrelaçadas
Resto de uma vida que escolheu
O intenso
O denso
A história pra contar
O menos fácil
Ontem fui um choro
Seu
Mais do que meu
Chorei pelo que vivi
Pelos meus sonhos
Pela prisão de meu mundo
Gritei com a cabeça tonta
Com os olhos vermelhos
Agora só restam meus olhos
E minha boca
Vermelhos
Negros
Vermelho Negro
Abismos de quem sabe que vai amar
De quem sempre amou em tudo
cada detalhe
E vai lutar até o fim
Até onde minhas lágrimas
Não mais brotarem
Secarem insanas
Insaciadas
Choro porque o tempo não existe
Porque o tempo apenas passa
O tempo passa
Você passa
Só esse choro que marca
Não passa
Esse aperto não passa
Quero gritar
Mas só saem arrepios
Choro pra seca não me tornar
Viro a noite em claro
Reviro-me
Cheiro
Meu medo
Noite sem sonho
Só me chega o frio
Barulho de vozes
Aqui e ali
Olha ele aí
Um fundo de realidade
Não adianta tentar te esquecer
Desisto e choro
Choro
Mais uma vez
Durmo enfim
Ainda com lágrimas
Mais na alma
Menos nos olhos
Acordo pegando fogo
Meus olhos pegavam fogo
Meu coração já era chama
Eu não mais me reconhecia
Era a metamorfose de Kafka
A literatura visitou-me
Virou vida
Literatura é vida
Tua
Minha
Melancolia
Sexo
Poesia
Drama
algo além de M.V

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Sangrando

Sem nome, José Roque Neto


Te espero em noites
Que demoram a chegar
E quando chegam
São ligeiras em passar

Te espero em noites
que me deixam com a impressão
de que em uma delas
você poderia ficar

Te espero em noites
Que oscilam entre o que há de mais intenso
E o que há de mais vazio
Porque eu sei que você vai

Te espero em noites
Que me fazem sentir tanto tua falta
Sobra tudo e o meu arrepio
Sei que volto para enrolar-me no seu fio


M.V

sábado, 25 de abril de 2009

Metalinguagem



O texto que fala do próprio texto
A palavra que cala a própria palavra
O beijo que se confunde no próprio beijo

O eterno ir e voltar

O fim que conduz ao começo
O pensamento que se volta para o próprio pensar
A vida que fala da mesma vida

A metalinguagem própria de quem sabe para si olhar

M.V

Sonho de menina nas pinceladas de Degas

Prima Ballerina, A primeira bailarina - Edgar Degas

A primeira bailarina poderia ou não ser a primeira. Quem sabe a última, aquela que se esconde em valsas descompassadas ou harmoniosas, notas que saem da alma ou do desespero. A primeira bailarina parece estar voando. Ela realmente voa em saltos e toques certos e perfeitos. O ambiente em torno dela é de todo inspirador e implacável. Parece conduzir a um limite entre a terra e o sonho. As pinceladas fortes, expressivas, marcadamente impressionistas que dão forma a esta delicada e, ao mesmo tempo, forte bailarina são do gravurista, pintor e escultor francês Edgar Degas (1834-1917), que tornou-se famoso por suas bailarinas doces e arrebatadoras. Degas cumpre o propósito impressionista quando reconstrói o real, aderindo às suas infinitas possibilidades, dando vida a uma pintura que antes de tudo sente e faz sentir, buscando o momento da contemplação e do tempo que se dá ao tempo.
Admirar uma bailarina de Degas é embarcar no voo da arte, incerto e fascinante. A vivacidade de seu quadro traz uma sensação de liberdade, uma delicadeza juvenil e uma maturidade natural. A primeira bailarina acordou poesia, só pode ser poesia para transmitir gratuitamente, a quem o sabe perceber, tamanha dose de sensibilidade e nostalgia. Gosto de Degas pois quando da primeira vez que o vi foi como se aprendesse a sonhar. Degas nos ensina a sonhar o sonho que toda menina carrega: o sonho de ser uma linda e delicada bailarina, protegida de todos os perigos, cercada de belos vestidos e extremadas sensações, acorrentada ao ritmo da dança, alheia ao controle da vida, entregue à coreografia do amor, do verdadeiro e grande amor, sonhado por toda menina-bailarina ou bailarina-menina.

Porque o quadro e o meu momento me fizeram lembrar estas linhas...

Suave, serenamente,
Eu hoje acordei poesia.
Passei o meu dia versando você,
olhava em seus olhos,
distantes dos meus,
e a cada olhar,
por demais atento,
brotavam, em pensamento,
versos que seriam seus.
Mas antes que eu conseguisse
definir-te em versos,
com um simples gesto,
mero falar,
conseguiste de súbito
meus versos quebrar

Cida Villela

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Intertextualidade - Eu te chamo liberdade


Pelos dentes apertados
pela raiva contida
pelo nó na garganta
pelas bocas que não cantam
pelo beijo clandestino
pelo verso censurado
pelo jovem exilado
pelos nomes proibidos
eu te chamo, liberdade.

Pelas terras invadidas
Pelos povos conquistados
Pela gente submetida
Pelos homens explorados
Pelos mortos na fogueira
Pelo justo injustiçado
Pelo herói assassinado
Pelos fogos apagados
Eu te chamo, Liberdade

Paul Elovard/ Grian Franco Pagliaro






Sou livre
Em meu delírio
Em meus toques alucinados
Em meus pés que fogem do chão
Em minha vontade de ser
Ser tudo e ser nada
Em minha vontade de sentir teu beijo
Tua palavra insensata

Sou livre
Porque quero ir lá
Onde nem eu mesmo sei onde é
Quero viver fora daqui
Quero as coisas pela metade
Pela fração de um segundo
De uma gota de chuva
De uma louca tempestade

Sou livre
Não sei dizer o que é liberdade
Nem quero jamais dizê-lo
Definições limitam
Quero o infinito da luta
Do novo e do velho
Da voz que se faz ouvir
Quando todas as outras se calam
Quero a luta legítima
A revolução que aponta a saída
Quero pedir o mínimo
O impossível
Quero lutar sozinha ou com uma multidão

Sou livre

Para te chamar liberdade
Passeie por esses cantos
Traga ares para essas mentes
Ensine como saber viver
Sem saber o que é viver
Ensine que nada nos prende
Se não quisermos
E que é preciso coragem pra mudar
É preciso coragem para ser livre

Sou livre
Porque é preciso saber ser livre para tentar
Com toda classe, majestade e humildade
É preciso conquistar o direito de chamar-te liberdade
Mas é preciso ousadia para chegar
Por isso jogo meus rasgados
Pinto meus bordados
Beijo meus amores
Visito meus temores

Sou livre
Choro, grito, amo
Intensamente
Loucamente
Se te assusto não me assusto
Importo-me com poucas coisas
Sempre foi assim
Explico-me menos ainda
E assim saio, me jogo
Neste ensaio disfarçado
Neste jogo onde me prendo
Mas ainda que presa
Não perco essa liberdade

Sou livre
Assim te chamo liberdade
Em meu conhecimento mais secreto
Em meu desejo de virar a mesa
Passar o inverno com as folhas do outono
Encontrar o verão no perfume da primavera
Com devaneios e paixões
Faço-te minha e sou tua
Quando eu te chamo liberdade

Sou livre
Para escrever
Sem um fixo número de versos
Sem uma rima ou uma métrica
Sem um redondilho maior ou menor que seja
Porque minha poesia te chama liberdade
Neste vendaval de palavras
Loucas e inebriadas

M.V

Aquele que vai além do retrato

As leis não bastam.
Os lírios não nascem da lei.
Drummond
Caro navegante, as questões políticas nem sempre aparecem cá por este blog, mas elas são importantes, elas sempre foram importantes. Apenas me abstenho de discuti-las em demasia porque sou mais afeita à arte, literatura, poesia, letras e ilusões variadas. Mas, quando o evento é importante merece ser amplamente e exaustivamente discutido por todos aqueles que veem nele um marco histórico e uma possibilidade de que as coisas enfim, algum dia, possam ser diferentes. Falo aqui do episódio ocorrido no Supremo Tribunal Federal no dia de ontem, 22 de abril de 2009.
Ele foi marcado por uma discussão mais do que urgente e totalmente necessária entre o ministro Joaquim Barbosa e o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes. Em meio aos tradicionais e irônicos “vossa excelência” Joaquim Barbosa disse a Gilmar Mendes muito daquilo que ele merecia ouvir há tempos. Pois, há tempos ele vem de fato, como disse Joaquim Barbosa, destruindo a credibilidade da justiça brasileira. O ministro Gilmar Mendes se comportou das maneiras mais antiéticas e cínicas nos episódios da história recente. Várias vezes, esqueceu-se de sua condição de ministro e simplesmente transformou-se em um censor ao interferir diretamente na programação da TV Câmara por exemplo, ferindo a liberdade de expressão e a própria já tão machucada “democracia brasileira”.
O ministro realmente confunde os brasileiros com seus capangas do Mato Grosso, tal como lembrou oportunamente o ministro Joaquim Barbosa, já que trata a nação de forma autoritária e coronelista, nos moldes do mandonismo da república velha. Gilmar Mendes é um retrato empoeirado da nossa tão conhecida modernização conservadora. Já Joaquim Barbosa é um retrato lúcido daquilo que o Brasil tem de melhor. Ele, simplesmente, decidiu falar. Falar de coisas que todos veem, mas que fingem não ver por motivos esses ou aqueles, coisas que envergonham a nação e nos fazem andar pra trás, nesta terra que parece gostar de andar sozinha, tal como uma terra sonâmbula, obstinadamente para trás. Joaquim Barbosa disse palavras verdadeiras, que por serem reais, carregam o efeito cortante e um tanto assustador próprio da coragem dos que não se omitem, em um país que fabrica omissões desavergonhadas em série. Precisamos de um Supremo cheio de “Joaquins Barbosas”, precisamos de coragem, de verdade, de uma verdadeira justiça que, definitivamente, não se faz com um Gilmar Mendes no seu comando.

Joaquim Barbosa, ministro do STF

Quando Joaquim Barbosa começou a falar firme e com toda a dignidade de quem sente o peso de sua responsabilidade, custei a acreditar no que via e ouvia. Como tal coragem no Brasil, o país do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda? Como uma voz que se agiganta em direção ao futuro, apontando para as diáfanas águas da honestidade e do caráter, pode ainda ser ouvida, quando todo resto é sombra e tempestade? Joaquim Barbosa me fez ter vontade de escrever sobre política, não porque antes dele eu não acreditasse nela, muito pelo contrário, a política sempre acreditou em mim e eu sempre me busquei nela, mas confesso que para mim, ela sempre foi o mesmo festival de mesmices, disfarces, cinismos e máscaras enfeitadas com muita purpurina, recheadas pelo vazio das coisas que não se fazem coerentes com a sua própria identidade e escassa de discernimento e lucidez. No entanto, nem tudo está perdido! Termino com meus sinceros parabéns ao Ministro Joaquim Barbosa, este sim um Ministro digno da mais alta corte de justiça do nosso país, este sim digno de ser lembrado e citado como aquele que falou o certo na hora certa, não deixando o dito pelo não dito.
Para os que estão dizendo que Joaquim Barbosa não respeitou os limites de sua posição e situação, suponho que quem desconhece limites há muito tempo seja o presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Joaquim Barbosa disse a Gilmar Mendes que ele deveria respeitá-lo, Gilmar Mendes, sinicamente, também pediu respeito. Engraçado como um ministro do Supremo ainda não consegue entender algo tão simples e elementar: é preciso respeitar para ser respeitado. Que tipo de respeito será que ele quer? Joaquim Barbosa personificou em sua fala os anseios sufocados de todos os brasileiros que, estes sim, precisam respirar respeito, afastar os fantasmas da inversão de valores, aumentar em suas lembranças episódios dignos de serem lembrados, como esse, apagando tantas e tanto que existe em benefício de poucos e prejuízo de muitos, apagando o riso cínico de Gilmar Mendes e lembrando dos olhos corajosos e humildes de um ministro tão inteligente quanto humano. Uma daquelas raridades. Fruto da impossibilidade do retrato, já que vai além dele.
cansei da frase polida
por anjos da cara pálida
palmeiras batendo palmas
ao passarem paradas
agora eu quero a pedrada
chuva de pedras palavras
distribuindo pauladas
Paulo Leminski

domingo, 19 de abril de 2009

O eterno do efêmero




Escuto o silêncio do teu beijo
Não sei se meu coração
Vai voltar

Sinto em tudo o seu cheiro
Já imagino todo o sempre
Em que vou te amar

Sem ter ao menos a chance
De te tocar por inteiro
Neste eterno esperar





Corte-me
Junte os pedaços
Solte-me
Confie no vento
Ele sabe de mim
Siga seus passos
Só me ame assim





Não tenho mais conserto
Ou sou tua
Ou tua sou
Sem pretexto





Toque no meu retoque
Retoque o meu estoque
Mude o meu enfoque





No meio da rua
Meio tonta
Me vi muda
Absolutamente nua

Dobro a esquina
Meio inculta
E é como se me fizesse
Inteiramente tua





O que é isso
Que não sei de onde
Nem o porquê
Tampouco o para onde



Luto em tudo
Amo em absurdo
Gosto da palavra muda
E do som surdo





Sabia que te teria
Do jeito que eu queria
Apenas nos prazeres do sonho
De noite e de dia

Sabia que não me daria
Tudo que eu queria
E que me daria
Tudo que eu temia

Sabia que acabaria só
Que voltarias para teu vazio
Condenando-me a outro
Cheia de poesia, palavras e iras

Sabia que te escreveria
Nestas mal traçadas linhas
De quem não se sente digna
E não mais quer sofrer por esta vida

Sabia que levaria apenas uma história
Inexplicável e impossível
E que eternamente meu te imaginaria
Para que fosses feliz enfim

Para que vivêssemos de poesia
Do simples e do belo
Sem pensar no tempo
Tão sábio e singelo


quinta-feira, 16 de abril de 2009

Nada como você. Nada como um Dalí em você

A Persistência da Memória, Salvador Dalí

Nada como
Tuas palavras
No vento do meu sentimento

Nada como
Teu toque
No passeio que desenha o meu retoque

Nada como
Teu sentimento
Na sensibilidade de quem deveras sente

Nada como
Tuas surpresas
Nesta brisa de incertezas

Nada como
Tua profundidade
Neste inteiro sem metade

Nada como
Tua entrega completa
Nesta paisagem tão incerta

Nada como
Tudo que você me trouxe
Neste viver que se fez tão doce

Nada como
Tudo que você me mostra
Neste ir e vir de agora

Nada como
Tudo que nasce de poesia
Neste sentir sábio de quem sabia que não sabia

Nada como
Tudo que pode ter cor
No sentido mais irresistível do amor

Nada como
Dizer eu te amo
Na ponta dos meus lábios, na boca do teu coração


M.V


Nada como um quadro do pintor catalão Salvador Dalí, com toda sua desconstrução e reconstrução da realidade e das coisas deste e do outro mundo. Todo seu impressionismo expressionista - que deforma para explicar o inexplicável - chama a atenção pela incrível combinação de imagens bizarras, oníricas, com excelente qualidade plástica, exprimindo algumas sensações deste nosso apressado cotidiano. Falando em apressado cotidiano, escrevo essas linhas um tanto quanto apressada, condicionada pelo tempo, que me é tão pouco. Eis o destino que nos escolhe, antes que tenhamos a chance de escolhê-lo.
É esse mesmo tempo que Dalí retrata neste quadro tão inteligente e atrevido a ponto de querer derreter o próprio tempo, em uma lógica onde este tempo é o senhor de todas as coisas, de todos os ritmos e de todos os homens. Escolho Salvador Dalí para ilustrar esta minha poesia porque em Dalí está toda questão do inconsciente – trabalhada por ele tão bem em seus quadros - um inconsciente lançador das letras que mais tarde rearranjadas darão forma aos traços de minha poesia. Esta obra aqui reproduzida, A Persistência da Memória, representa relógios meio distorcidos com horários diferentes. Estes relógios continuam determinando a forma como conduzimos a vida apesar de sua distorção, daí a razão e explicação para o título da obra que nos leva a pensar na persistência dos traumas, na afirmação do inconsciente, na loucura insana dos fantasmas que habitam a outra margem. Todos insistem em permanecer incansáveis, mesmo com o passar de um tempo que se derrete na luz do sol e se solidifica na sombra da noite. Que a arte nos ajude a entender nossos confusos sentimentos, trazendo cor e luz para nossas profundezas.

sábado, 11 de abril de 2009

Forma ao disforme

Caro navegante, aí vai uma tentativa de dar forma a meus rabiscos e lágrimas que, na verdade, não têm forma alguma. São todos incongruentes, incoerentes e insatisfeitos em ser o que desejam ou parecem ser, mas não o são de fato. Quem sabe a forma que, aliada ao conteúdo, lança luz sobre o extraordinário, não ilumine também a minha escuridão. Esta na qual já me perco e me desfaço em várias em um devaneio sem fim, em um caos ensurdecedor, em uma fome onde o que busco é saciar a angústia de outrora, somada a esta de agora. Forma seja dada ao disforme que se desenha. Bebo da forma algumas gotas poucas a desaguar neste violento rio que oprime minhas margens e arrasta brutalmente a minha solidão, com a beleza que corresponde e se nutre do caos.

serei amanhã
distante como uma brisa
não me pergunte o porquê

acordarei amanhã
com a coragem pra dizer
o que meu coração insiste em esconder

correrei amanhã
o risco de perder você
na incoerência de quem perde o que não pode ter


Sonhar é breve
dura o espaço do real

Sonhar é eterno
ultrapassa a fronteira do real

Sonhar é paradoxo
vive nas possibilidades do real


Irritam os desejos
se desejados nos desafiam
se realizados nos traem

Irritam as ilusões
se pudesse desejaria nada
se conseguisse não caminharia pelo mar

Se eu escolhesse, jamais

No cruzamento
Ali adiante
Onde não passa ninguém
Escondo um segredo

Ali cruzamento
No adiante
Onde nada é mais distante
Morre meu mistério

Mais triste
Menos sério

Ele me vence
É certo como o incerto
Separa o que penso
Do que já não espero

Ela me entontece
É reta como uma flecha
Dispara no que sinto
Vai e volta pelo mesmo caminho

Lindas, profundas
Vindas, doídas
Choro e arrebento minhas feridas

Olha no meu olho
no olho do teu olhar
Não desvie o olhar
do olho a te olhar
Não faça de teu olho
um mero olho no olhar
Demore-se a olhar
Só assim se alcança
o olho do olhar
no espaço cego
de olhar sem olhar
ver sem reparar

Desce INTENSO
Sobe DENSO

Passa no perigo do caminho
Daqueles que se perdem pelo vento
E tropeçam no tempo

Desce FALANTE
Sobe PENSANTE
Passa no roçar de cílios
Daqueles que esperam pelo destino
Mais cansados do que tristes
Desce
SONHO
Sobe REALIDADE


quarta-feira, 8 de abril de 2009

Lendo-me

Efêmero como tudo que desmancha sob meus pés
Pela primeira vez não espero nada
Inebriante como tudo que entontece no instante último
Pela primeira vez não me sinto ameaçada
Misterioso como uma voz que eu escuto sem ouvir
Pela primeira vez vejo um rosto sem reparar
Inacabado como algo que dá chance ao destino
Pela primiera vez me deixo carregar pela sedução
Sonâmbulo como quem desafia as madrugadas
Pela primeira vez não me importo mais
Saio fora dos meus trilhos
Embora não perca o caminho de volta
Muito menos a razão de minha liberdade
Liberdade que só troco pelo saber de meu não saber
Liberdade intrínseca à minha primeira e derradeira vez

M.V

terça-feira, 7 de abril de 2009

Já enviou a sua carta?

Mia Couto
Não resisto em dividir com os caros navegantes a melhor, mais arrepiante e poética definição de sonho que já percorreu meus olhos carregados, já tão impregnados e dominados por letras e tons. E justo a mim que não agradam nem um pouco as definições essa me pareceu tão exata, tão explicativa, tão lúcida a ponto de vê-la como a primeira que não se faz limitada, incompleta, passível de outro olhar. Ela traz toda sensibilidade, todo lirismo, toda poesia de um autor que transborda poesia em seus textos, em suas palavras, em suas ideias. Falo do escritor moçambicano Mia Couto, que se o leitor destas linhas não conhece deve procurar conhecer o mais rápido possível, para a saúde dos sonhos, para o alimento da alma, para a satisfação dos sentidos. Assim ele fala dos sonhos em seu romance Terra Sonâmbula, conferindo à existência tudo aquilo que ela tem de mítico e onírico em meio a uma terra que não dorme, que anda sozinha nos becos da madrugada, mas que sonha e ensina a sonhar num duelo entre arte e vida, magia e realidade, tristezas que cedem lugar a cansaços. Mas vamos ao sonho, profundo...



"Os sonhos são cartas que enviamos a nossas outras, restantes vidas."

Mia Couto


E agora às vezes me pego pensando, alucinadamente, em quantas cartas serão enviadas nos mistérios desta noite para o outro lado do conhecido. Por quantas pessoas? Para onde? Não sei se eu enviarei algumas poucas ou muitas cartas ainda esta noite ou se as pessoas com quem eu sonho também enviarão as suas. Imagino para onde será que carrego as pessoas com quem eu sonho, para onde se voltam os delírios de minha madrugada. Qual será o caminho de todas estas cartas? Falo de caminho já que em alguns casos o que importa é mesmo o caminho não o destino. Este é tão irresistível, desafiador e inebriante quanto o recanto que recolhe nossas cartas. O importante é continuarmos enviando cartas e mais cartas, sem parar, sem trégua, mesmo sem entender de fato o que são essas nossas outras vidas. Cartas rabiscadas, molhadas de lágrimas, carregadas de dor, coloridas de felicidade. Feliz de quem escreve com a mente muitas cartas. Delas alimenta o prosaico do cotidiano - superando a lógica dos dias - sobrevive ao cansaço do comum e pode fazer o que quiser. Ah! Nos sonhos podemos fazer tudo, absolutamente tudo o que quisermos. Não há privilégio maior. Não há carta mais gratuita, tampouco mais bonita. Que possamos enviá-las e recebê-las por toda a eternidade...

domingo, 5 de abril de 2009

A lógica ilógica do riso



Às vezes penso em sorrisos
Em como eles são disfarces e feitiços
Que facilidade eles têm em esconder uma dor
Usando de belezas vazias
Confundem o caminho
Desenham uma alma em diagonal
Sufocam o peso das tristezas
Combinam variedades de dor
Têm a incrível capacidade de fazer sarar saudades
Provam como o ser humano
Que tem o riso como exclusividade
Pode através dele segurar lembranças sem estremecer
O riso é antes de tudo o inverso do esperado
Ele ensina alguém a sonhar
Como rabiscos e letras sombreadas pela angústia
Angústia que não me deixa
Toma conta de toda minha mítica existência
Com sufocamentos e apertos
O fato é que quando sou visitada pelo cortante desespero
Sei dar meus mais misteriosos e sensuais sorrisos
E com isso morro a cada instante
Mascarada pelo riso
Desafiada pela dualidade de minha alma
Da qual o riso nunca foi a janela
Mas o olhar que não esconde nada
Olhar de quem se desafia pelo caminho
Cheia de saudades da vida

M.V

"O acabado é o prazer dos imbecis"

Madame Cézanne com saia de listras, 1877
[retrato de Hortense Fiquet-Cézanne, esposa do pintor]
Paul Cézanne (França 1839-1906)
óleo sobre tela, 73 x 56 cm
Museu de Belas Artes de Boston, EUA


Hortense Fiquet-Cézanne era a esposa de Paul Cézanne, artista impressionista francês que revolucionou a pintura moderna. Cézanne pintou alguns retratos de sua esposa que não gostava nem um pouco de posar para o marido. Ela dizia que Cézanne não sabia terminar seus quadros e considerava sua arte limitada e menor que a de muitos artistas da época, como Matisse por exemplo. Para ela, esse caráter inacabado das telas de Cézanne era, antes de tudo, um defeito e não uma qualidade. No entanto, essa atitude de Hortense demonstra que ela passava longe da sensibilidade e da percepção aguçada de um artista como Cézanne para o qual “o acabado é o prazer dos imbecis.”
Ele, como um legítimo impressionista, propunha uma nova maneira de ver e fazer arte. Não importava mais o retrato fiel da realidade, sua cópia quase que fotografada, e sim a reconstrução desta realidade por meio das infinitas possibilidades do real. Cézanne não queria mais aquela arte acadêmica, clássica, que disfarçava as pinceladas. Pelo contrário, ele deixava a nítida marca do pincel em seus quadros, como se fosse uma prova irrefutável da sua passagem por ali, da sua intermediação entre o que ele via e o que ele representava. Ao mesmo tempo, suas pinceladas marcantes visavam ser honestas com o espectador. Para que enganá-lo com uma cena quase idêntica ao real se na verdade qualquer pintura passa pelo filtro do artista, pelos seus sentimentos, traumas e emoções, condicionada e fruto, acima de tudo, de sua capacidade criadora, do rearranjo sutil de elementos que dá aos mesmos significantes significados diferentes, ou de sua criatividade?
Mas o mais interessante, quando pensamos na afirmação de Cézanne de que o acabado é o prazer dos imbecis, é reconhecermos que por trás dela existe o claro objetivo de manter o frescor e a surpresa da criação artística, as suas infinitas possibilidades de conclusão, possíveis somente se o pintor não sabe pintar. No fundo, esse não saber pintar implica outro tipo de saber, o saber que ultrapassa a própria técnica, que a reinventa e a desafia, sem descartá-la, aprimorando-a num eterno saber e não saber. O fato é que o acabado é como uma definição, que limita acima de tudo.
Ao entregar uma obra de arte inacabada amplia-se, de uma forma que ultrapassa qualquer entendimento objetivo, as possibilidades de descoberta, invenção e superação no próprio processo de pintar. Cézanne não queria limitar uma obra, ele queria fazer dela infinita, meio para as mais profundas e incompreendidas emoções. Ele queria que cada um a desse por acabada de acordo com o seu próprio entendimento de fim. É como se ele não usurpasse a função do espectador, preferindo não acabar a obra por ele, deixando que ele a encerrasse na lógica de seu mundo, nos caminhos de sua percepção.
A mim, particularmente, não me atraem os conceitos prontos e acabados. Pra que definir tudo, pra que acabar com perfeição se a maior perfeição é a da liberdade de cada um? A ilusão de dar um fim, que não existe, de materializar uma impressão que muda conforme o passar do dia e o movimento das luzes, é a mais vazia de todas. O acabado pressupõe rótulos, certezas vazias, ausência de criação e limites carregados de racionalidade e secos de emoção. Gosto de dizer que o acabado é uma condenação a uma realidade que se impõe, mas que nem sempre queremos.
Quem vive do acabado e se limita a ele não pode ser feliz de fato, a felicidade por si só não é um conceito acabado, posto que nada é tão difícil de definir quanto ela, afinal, ela carrega em essência o infinito do inacabado, dos sonhos que podemos terminar da maneira que nos parecer melhor. O acabado realmente é o prazer dos imbecis, porque é limitado demais, efêmero demais. O inacabado é o prazer dos que sabem valorizar a gratuidade da liberdade, de fazer-se diferente, é o prazer dos que esperam sempre mais, sem, no entanto, esperar nada.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Intertextualidade

Sonhos

Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas,
mas somente as de verão.
Mas no fundo isso não tem importância.
O que interessa mesmo
não são as noites em si,
são os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares,
em todas as épocas do ano,
dormindo ou acordado.

Shakespeare

Nos ares

Não tenho os pés no chão
Já desisti de tê-los há tempos
Se os quero ter não posso ser eu
Quero mais é ficar bem longe do chão
Alcançar meus sonhos
Que não se limitam às noites de verão
Chegar à amargura dos meus secretos sentimentos
E deitá-los ao vento
Andar pelas arestas
Dos ritmos
Dos vícios
Dos versos
Amo como quem pode
Com a saudade que tenho de mim mesma

Das saudades a que mais me fere
Nos cantos tortos do incerto

M.V

* créditos a quem os merecem : Foto - Régis Moreira