quinta-feira, 23 de abril de 2009

Aquele que vai além do retrato

As leis não bastam.
Os lírios não nascem da lei.
Drummond
Caro navegante, as questões políticas nem sempre aparecem cá por este blog, mas elas são importantes, elas sempre foram importantes. Apenas me abstenho de discuti-las em demasia porque sou mais afeita à arte, literatura, poesia, letras e ilusões variadas. Mas, quando o evento é importante merece ser amplamente e exaustivamente discutido por todos aqueles que veem nele um marco histórico e uma possibilidade de que as coisas enfim, algum dia, possam ser diferentes. Falo aqui do episódio ocorrido no Supremo Tribunal Federal no dia de ontem, 22 de abril de 2009.
Ele foi marcado por uma discussão mais do que urgente e totalmente necessária entre o ministro Joaquim Barbosa e o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes. Em meio aos tradicionais e irônicos “vossa excelência” Joaquim Barbosa disse a Gilmar Mendes muito daquilo que ele merecia ouvir há tempos. Pois, há tempos ele vem de fato, como disse Joaquim Barbosa, destruindo a credibilidade da justiça brasileira. O ministro Gilmar Mendes se comportou das maneiras mais antiéticas e cínicas nos episódios da história recente. Várias vezes, esqueceu-se de sua condição de ministro e simplesmente transformou-se em um censor ao interferir diretamente na programação da TV Câmara por exemplo, ferindo a liberdade de expressão e a própria já tão machucada “democracia brasileira”.
O ministro realmente confunde os brasileiros com seus capangas do Mato Grosso, tal como lembrou oportunamente o ministro Joaquim Barbosa, já que trata a nação de forma autoritária e coronelista, nos moldes do mandonismo da república velha. Gilmar Mendes é um retrato empoeirado da nossa tão conhecida modernização conservadora. Já Joaquim Barbosa é um retrato lúcido daquilo que o Brasil tem de melhor. Ele, simplesmente, decidiu falar. Falar de coisas que todos veem, mas que fingem não ver por motivos esses ou aqueles, coisas que envergonham a nação e nos fazem andar pra trás, nesta terra que parece gostar de andar sozinha, tal como uma terra sonâmbula, obstinadamente para trás. Joaquim Barbosa disse palavras verdadeiras, que por serem reais, carregam o efeito cortante e um tanto assustador próprio da coragem dos que não se omitem, em um país que fabrica omissões desavergonhadas em série. Precisamos de um Supremo cheio de “Joaquins Barbosas”, precisamos de coragem, de verdade, de uma verdadeira justiça que, definitivamente, não se faz com um Gilmar Mendes no seu comando.

Joaquim Barbosa, ministro do STF

Quando Joaquim Barbosa começou a falar firme e com toda a dignidade de quem sente o peso de sua responsabilidade, custei a acreditar no que via e ouvia. Como tal coragem no Brasil, o país do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda? Como uma voz que se agiganta em direção ao futuro, apontando para as diáfanas águas da honestidade e do caráter, pode ainda ser ouvida, quando todo resto é sombra e tempestade? Joaquim Barbosa me fez ter vontade de escrever sobre política, não porque antes dele eu não acreditasse nela, muito pelo contrário, a política sempre acreditou em mim e eu sempre me busquei nela, mas confesso que para mim, ela sempre foi o mesmo festival de mesmices, disfarces, cinismos e máscaras enfeitadas com muita purpurina, recheadas pelo vazio das coisas que não se fazem coerentes com a sua própria identidade e escassa de discernimento e lucidez. No entanto, nem tudo está perdido! Termino com meus sinceros parabéns ao Ministro Joaquim Barbosa, este sim um Ministro digno da mais alta corte de justiça do nosso país, este sim digno de ser lembrado e citado como aquele que falou o certo na hora certa, não deixando o dito pelo não dito.
Para os que estão dizendo que Joaquim Barbosa não respeitou os limites de sua posição e situação, suponho que quem desconhece limites há muito tempo seja o presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Joaquim Barbosa disse a Gilmar Mendes que ele deveria respeitá-lo, Gilmar Mendes, sinicamente, também pediu respeito. Engraçado como um ministro do Supremo ainda não consegue entender algo tão simples e elementar: é preciso respeitar para ser respeitado. Que tipo de respeito será que ele quer? Joaquim Barbosa personificou em sua fala os anseios sufocados de todos os brasileiros que, estes sim, precisam respirar respeito, afastar os fantasmas da inversão de valores, aumentar em suas lembranças episódios dignos de serem lembrados, como esse, apagando tantas e tanto que existe em benefício de poucos e prejuízo de muitos, apagando o riso cínico de Gilmar Mendes e lembrando dos olhos corajosos e humildes de um ministro tão inteligente quanto humano. Uma daquelas raridades. Fruto da impossibilidade do retrato, já que vai além dele.
cansei da frase polida
por anjos da cara pálida
palmeiras batendo palmas
ao passarem paradas
agora eu quero a pedrada
chuva de pedras palavras
distribuindo pauladas
Paulo Leminski

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