terça-feira, 7 de abril de 2009

Já enviou a sua carta?

Mia Couto
Não resisto em dividir com os caros navegantes a melhor, mais arrepiante e poética definição de sonho que já percorreu meus olhos carregados, já tão impregnados e dominados por letras e tons. E justo a mim que não agradam nem um pouco as definições essa me pareceu tão exata, tão explicativa, tão lúcida a ponto de vê-la como a primeira que não se faz limitada, incompleta, passível de outro olhar. Ela traz toda sensibilidade, todo lirismo, toda poesia de um autor que transborda poesia em seus textos, em suas palavras, em suas ideias. Falo do escritor moçambicano Mia Couto, que se o leitor destas linhas não conhece deve procurar conhecer o mais rápido possível, para a saúde dos sonhos, para o alimento da alma, para a satisfação dos sentidos. Assim ele fala dos sonhos em seu romance Terra Sonâmbula, conferindo à existência tudo aquilo que ela tem de mítico e onírico em meio a uma terra que não dorme, que anda sozinha nos becos da madrugada, mas que sonha e ensina a sonhar num duelo entre arte e vida, magia e realidade, tristezas que cedem lugar a cansaços. Mas vamos ao sonho, profundo...



"Os sonhos são cartas que enviamos a nossas outras, restantes vidas."

Mia Couto


E agora às vezes me pego pensando, alucinadamente, em quantas cartas serão enviadas nos mistérios desta noite para o outro lado do conhecido. Por quantas pessoas? Para onde? Não sei se eu enviarei algumas poucas ou muitas cartas ainda esta noite ou se as pessoas com quem eu sonho também enviarão as suas. Imagino para onde será que carrego as pessoas com quem eu sonho, para onde se voltam os delírios de minha madrugada. Qual será o caminho de todas estas cartas? Falo de caminho já que em alguns casos o que importa é mesmo o caminho não o destino. Este é tão irresistível, desafiador e inebriante quanto o recanto que recolhe nossas cartas. O importante é continuarmos enviando cartas e mais cartas, sem parar, sem trégua, mesmo sem entender de fato o que são essas nossas outras vidas. Cartas rabiscadas, molhadas de lágrimas, carregadas de dor, coloridas de felicidade. Feliz de quem escreve com a mente muitas cartas. Delas alimenta o prosaico do cotidiano - superando a lógica dos dias - sobrevive ao cansaço do comum e pode fazer o que quiser. Ah! Nos sonhos podemos fazer tudo, absolutamente tudo o que quisermos. Não há privilégio maior. Não há carta mais gratuita, tampouco mais bonita. Que possamos enviá-las e recebê-las por toda a eternidade...

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