terça-feira, 30 de março de 2010

Wifredo Lam – O Sonho dos Trópicos em uma porta ao lado de Andy Warhol na Estação Pinacoteca

Na Estação Pinacoteca - antigo Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) de São Paulo, órgão de repressão política que teve o ápice de suas atividades durante o regime militar (1964-1985) - não confundir com a tradicional e bela Pinacoteca, o público encontra uma das exposições mais comentadas, divulgadas e procuradas dos dias recentes. Trata-se da individual do artista norte-americano, símbolo da pop-art, Andy Warhol.
A publicidade em torno da exposição de Andy Warhol diz que se trata da maior exposição do artista já montada na América Latina", mas o que se vê dá aquela sensação de “pensei que fosse mais”.
A exposição parece ser melhor quando se lê sobre ela, sobre a importância que Warhol teve para sua época, sobre seu olhar de vanguarda, sua capacidade de antecipar tendências futuras, mas quando se vê de perto, falta algo que emocione, que revele um caminho verdadeiramente artístico. No entanto, se os comentários o atraírem, caro leitor, para a individual de Andy Warhol, vá e se sentir que as produções do americano não lhe trazem nenhuma nova e profunda sensação, entre por outra porta, em uma na qual há uma inscrição tímida em um dos cantos dizendo “Wifredo Lam”. Não, não vá embora, abra esta porta:
Eis o mundo desse outro pedaço de chão...

La Jungla

Femme Assise

Zambezia, Zambezia

Les loa petro enfantent dans la danse

Soeur de la gazelle

Untitled C

Untitled A

Nativité

Annonciation


As linhas, os contornos, as cores, tudo revela uma estética que vai além do surrealismo. Há algo de sexual, de onírico, há um prazer disfarçado, uma verdade escondida, por vezes, revelada. A sensação é de leveza, tal como um voo a desprender quem olha do chão, a aproximar quem vê do infinito ou de algo mais imenso, largo, flutuante... Mágico! Um feitiço que resvala abertamente na criatividade, imaginação levada até o ponto onde ela se faz necessária, em hipótese alguma excessiva ou ridícula. Uma tragédia escrita com formas e detalhes na medida certa. Nada sobra, tudo transborda. A estética da obra de arte provoca o extravasamento, a saída e o reconhecimento de si mesmo. Há algo de romântico misturado ao surrealismo. Uma pincelada emotiva, imaginativa, uma preocupação com a forma equilibrada com uma busca pelos sentidos, pela emoção genuína e primitiva. Ao olhar já se reconhece o estilo, a dádiva de ser original, a "mimesis" grega talvez até tenha existido na construção dessas obras, mas no sentido de tomá-la para ir além da pura e simples imitação, a originalidade está em olhar o que já se construiu e pensar em algo novo, algo autoral. Arte é estilo, nada mais que isso!
Wifredo Lam (1902-1982),artista cubano, viveu por um tempo na França onde sofreu influência tanto de Picasso como da estética surrealista, foi um pintor capaz de sintetizar os elementos culturais de uma América genuinamente diversa - que era folclore de um lado e autêntica vivência popular e forma de representar o mundo de outro - tão plástica, mística e surreal. Daí, algumas características que marcam a sua produção artística.
Sem ele, talvez teríamos, nós, habitantes da América, ficado sem uma perturbadora e profunda visão de nós mesmos, de tudo aquilo que temos de belo e fantástico. Lam absorveu, como nenhum outro artista, a força literária do surrealismo, deu lugar na sua obra para que irrompesse a voz e força do oprimido e não se contentou com lugares comuns, deu ao povo um espelho salpicado por cores para que nele enfim tivéssemos uma visão de quem realmente somos.
Ficamos tímidos diante das gravuras de Lam, o surrealismo nos bloqueia, sua realidade nos parece muitas vezes distante, estranha. Wifredo Lam funciona também como um sintoma da plasticidade imaginativa que nos marca, desta dificuldade que temos em nos libertar de nossa, algumas vezes besta, racionalidade.

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