quinta-feira, 25 de março de 2010

Vestido Verde


Daria tudo por uma alma mais simples,
que fosse como um vestido discreto,
um traje inconscientemente completo.
As cores seriam básicas e uniformes,
as linhas retas, sem desvios,
o tecido sem marcas,
exuberantemente reto.
A textura seria macia e diáfana,
do tipo que se vê o outro lado,
do tipo que não se esconde do inesperado.
Também penso em alguma estampas,
mas não de bolinhas,
muito redondas, muito círculo viciante,
podem ser estrelas,
bastante, salpicadas,
bordadas com lantejoulas verdes,
as lantejoulas do baile verde,
ou das festas de minha infância,
podem ser o destino é quem manda.
Estrelas com lantejoulas,
tão lindas, tão simples,
meio tontas, meio comovidas.
Estrelas as quero por que brilham,
são luz sobre a vastidão negra,
no meu vestido são lembranças de outrora
salpicadas sobre um tecido cheio de cor,
mudo e sem demora.
Meu vestido pode ter todas as cores,
menos o preto.
Já sou muito negra,
só uso preto,
eis uma obsessão que nem sei da onde vem,
talvez seja a roupa de minha alma,
a cor com que ela no movimento da intuição
goste de vestir sua forma física tão banal.
De todo não quero buracos,
que o vestido venha bem aparado,
cergido, costurado, remendado,
de esburacamento de alma já estou farta.
Quero tudo preeenchido,
mas não com muitos sentidos e explicações,
prefiro as fábulas e as imitações.
O vestido poderia mostrar minhas pernas,
um pouco dos braços,
deixar fluir o arfar dos seios,
me deixaria livre,
brilhando feito estrela,
alegre feito lantejoula,
simples feito uma mulher
como qualquer outra.
E quando eu colocar o vestido?
Vou mandar fazer,
vou desenhar,
quero o vestido já,
quero ser simples,
alegre, cheia de estrelas e estilo.
É só meu corpo tocá- lo e serei outra
com certeza serei
não venham me dizer que não.
Imagino-o leve sobre minha alma pesada,
ele há de torná-la tão leve feito pluma.
Mas vou falar para a costureira pregar bem as lantejoulas
não quero lantejoulas caindo,
pedaços de infância pelo meio do caminho,
já perdi muitos pedaços na minha vida,
por caminho de desatino.
Nesta nova vida não aceito restos por aí
quero tudo comigo,
melhor talvez não deixar marcas
em seres já tão marcados.
O vestido andará comigo
por toda minha teia dividida
até o último derradeiro dia
quando só então
poderei dizer
se fui feliz ou não nesta vida.

M.V

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