sábado, 5 de setembro de 2009

"Busquemos uma vontade de comunicar e não simplesmente informar"



Dominique Wolton, sociólogo francês




O sociólogo francês e membro do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, Dominique Wolton, falou ontem à noite a cerca de dois mil participantes na abertura do Intercom, XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, que acontece em Curitiba dos dias 4 a 7 de setembro.
Dominique falou sobre a comunicação como valor democrático e grande questão política do século XXI e enfatizou, em vários momentos, a diferença entre a informação e a comunicação, afirmando que a grande descoberta do século XX é que temos muita informação, mas não nos comunicamos de fato.
Diante disso, o sociólogo enumerou algumas dificuldades instaladas na sociedade contemporânea que impedem uma comunicação que tenha como objetivo maior o conhecimento e não a simples troca alucinada de mensagens.
A primeira delas diz respeito à dificuldade do homem em tolerar e conviver. Se não há convivência, não há possibilidade de comunicação, assim como não há democracia sem comunicação e a democracia pressupõe justamente valores que orientam uma boa convivência, como o respeito ao outro e a negociação pura e simples, em busca da aceitação dos valores do outro. O Brasil é citado por ele como sendo um exemplo de lição política e de convivência.
A segunda dificuldade diz respeito à ausência de um espaço político efetivo. Segundo ele, vivemos em um mundo onde a imprensa se instaura, há uma participação cada vez mais ativa da opinião pública e a comunicação política se impõe como motor e cerne da democracia, uma comunicação que não é marketing e sim condição para o seu funcionamento.
Ao mesmo tempo, ele ressalta que vivemos um modelo de democracia de massa, com um sufrágio universal contraditório e uma comunicação que se faz contraditória dentro da lógica globalizada.
A globalização por sua vez, segundo Dominique, veio depois do fim do comunismo e inaugurou a era da multipolaridade do poder no contexto de um mundo sem regulação, onde a produção e difusão de milhares de informações não basta para que ocorra a comunicação, já que, neste ponto, surge a potência da alteridade, ou seja, o peso do outro que nunca está totalmente alinhado com a nossa opinião.
O fato é que a mídia, segundo o sociólogo, se constitui como uma "mídia come tudo", em outras palavras, os espaços midiáticos são superiores aos políticos, há um reforço da mídia e da opinião pública e um enfraquecimento do peso político. Com uma política enfraquecida, a relação entre os homens, objeto primeiro desta, também se enfraquece. Se, no pensamento de Dominique, para ocorrer a comunicação a figura do outro e as relações humanas são essenciais, com um espaço político enfraquecido gera-se uma grande dificuldade para que a comunicação aconteça de fato.
Outra contradição apontada por Dominique existe entre a velocidade da informação e a lentidão na comunicação, já que para esta ocorrer os homens precisam se compreender e isto não acontece, pois a política é falha, como dito acima.
O comunitarismo também é apontado por ele como uma ameaça ao estado nacional, alimentando a ilusão interativa criada pela internet e dificultando a comunicação. A ilusão que temos de transparência também dificulta a comunicação segundo Dominique, já que ter transparência não garante efetivamente uma melhor compreensão da informação.

Mas o quê fazer para salvar o lugar da comunicação e o modelo democrático?

- primeiramente, entender a comunicação como uma relação mais complexa que a simples mensagem divulgada e transmitida.
- olhar a comunicação como algo essencial para o ser humano que pressupõe duas atitudes básicas e primeiras: a negociação e a convivência para garantir o mínimo de equilíbrio na organização social, em um contexto de globalização cultural, não só econômica e política.
- lutar contra a ideologia da técnica. Dominique diz que transferimos toda deficiência na comunicação para a performance técnica, enquanto que, na verdade, na comunicação o mais complicado não é a técnica e sim o homem. O homem pode ser ruim ou bom com a técnica, no entanto, esta é sempre neutra. Portanto, seja qual for a performance das ferramentas, o social é sempre mais complexo.
- enfatizar o papel da comunidade internacional e levar a política para a internet, implantando um direito relacionado a ela no âmbito da Lei Democrática Mundial.
- construir zonas regionais de convivência política, passar do mito da Aldeia Global para a tragédia da Torre de Babel. Um exemplo citado por ele é a União Europeia, modelo de convivência política que pode ser inventado.
- reforçar espaços públicos nacionais e reduzir a concentração da indústria cultural e do conhecimento em nível mundial.
- revalorizar e defender a profissão de jornalista, reduzindo a demagogia de que não precisamos mais de professor, jornalista ou médico na sociedade da informação. Esta não é uma sociedade onde todos fazem tudo e sabem de tudo, mas onde se valoriza o papel das mídias intermediárias.


Momentos de Dominique:

"Devemos nos constituir como seres sociais, não técnicos."
"Compreender que não compreendemos o outro, só assim pode existir respeito e a percepção de que não há uma hierarquia de culturas."
"O homem precisa ter cuidado para não ser vítima da própria vitória. Somos mais complicados que um computador. Guerras são fenômenos políticos, humanos, não técnicos."
"A evolução técnica não extingue a matança no mundo, os homens continuam a matar-se uns aos outros, aí entra a convivência, elemento indispensável para a paz. Se quisermos paz devemos considerar o humano além da técnica e praticar uma palavra que talvez nunca tenha sido valorizada e considerada na história da humanidade: tolerância."
"Busquemos uma vontade de comunicar e não simplesmente informar."
"Que os homens pratiquem o reconhecimento de uma alteridade que não rompa o laço frágil do amor. Este pode parecer pouco, mas é tudo, e quando ele acaba não resta nada. Por isso, toleremo-nos e busquemos uma verdadeira educação política."

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