sábado, 12 de setembro de 2009

Feiticeira - Parte 1



A feiticeira era portadora de uma beleza insinuante, de um sorriso misterioso, de um olhar nu e desarmado. Era alguém que parecia ter perdido algo. Sabia, pois quando a observava algumas vezes, sentada no bando da praça, percebia em seus olhos aquela marca da perda, reconhecida apenas por quem já a viu em seus próprios olhos. É uma sensação estranha, nos sentimos como que invisíveis, como se não tivéssemos um corpo.
Todo o dia sentava-me no mesmo banco da praça e ficava a olhá-la. O banco era o terceiro de uma fileira de sete. Era igual a todos os outros, mas o melhor para vê-la. Além disso, perto dele havia uma árvore que me cobria com uma fresca e aconchegante sombra, dando-me a sensação de que a sombra impedia que eu fosse visto pela outra que tanto me fascinava.
Ela se sentava todos os dias, no mesmo horário, sempre no fim da tarde, também no mesmo banco. Era o quarto de uma fileira de oito, justo aquele que se posicionava bem em frente ao meu, já que o caminho dos meus bancos começava um pouco depois que o caminho dos bancos dela.
E assim passavam-se os dias e lá estava eu, sempre nos fins da tarde, quando o céu começava a se tingir de um apanhado de cores mágicas, alaranjadas, avermelhadas, escuras e claras. De todas as despedidas esta sempre foi a única que me fascinou. A despedida do dia que abre lindamente suas portas para que a noite entre com toda sua negra majestade. Além disso, ela sempre me trouxera algo, enquanto que todas as outras sempre me levavam alguma coisa, sempre me deixavam só, vazio e perdido. A despedida do dia me trazia a feiticeira de meus olhos, dona dos mais profundos e insanos de meus pensamentos.
Não sabia o porquê de sua ida à praça todos os dias. Simplesmente a vi certa vez e tive uma daquelas visões das quais a gente não esquece jamais. Voltei no outro dia instintivamente, e no outro, e no outro, e meus olhos sempre a encontravam.
Nada sabia de sua história, apelidara-a de feiticeira, mas tampouco sabia se o era ou não. Para mim, ela era uma feiticeira posto que sorvera meus desejos e minha alma, como a terra sorve a água. Ela me atraía, me enfeitiçava, era algo que eu não sabia explicar, simplesmente olhava e existia nesse olhar.
Poucas vezes ela olhava para mim, aliás, nunca soube dizer para onde ela olhava. Tinha sempre um olhar longo, triste, melancólico. Era como se refletisse sobre sua própria tristeza e reparasse em algo que só ela poderia ver dentro do espectro de sua história.
Certo fim de dia, sentei no banco e postei-me a contemplá-la como sempre o fazia. No entanto, a atmosfera era outra neste certo fim de dia. A praça estava agitada, crianças corriam para todos os lados, gritavam, choravam, cantavam, faziam brotar toda aquela alegria inocente que lhes é típica. Não havia dado tanta importância aos sons da infância até que percebi como eles chamavam a atenção de minha feiticeira. Pela primeira vez, seus olhos olhavam algo que também estava ao alcance dos meus. E olhavam de modo fixo, reflexivo, quase que agonizante e desesperado.

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