sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O JORNALISMO alternativo ao "jornalismo"

O Jornal Pessoal é um alternativo que existe há 17 anos na Amazônia. Sua linhagem tem por base a investigação e a análise crítica de grandes temas da região, como biodiversidade, projetos econômicos e questões agrárias. Seu fundador Lúcio Flávio Pinto criou o jornal no período pós-ditadura militar. Daí poderia vir uma contradição que quero trabalhar neste texto. O que leva um jornalista a lançar um veículo alternativo em plena liberdade política? Os tempos atuais podem ser vistos como uma era de amplo acesso a informação no Brasil? A imprensa alternativa viveu o seu auge durante o período da ditadura militar. Diante da restrição à liberdade de imprensa e de expressão, da anulação dos direitos essenciais do cidadão e da censura, muitas vezes implacável, os jornais da grande imprensa foram totalmente controlados pelo governo, tendo que recorrer, como se sabe, às famosas receitas de bolo ou aos versos de Camões. Como a grande imprensa do país estava literalmente amordaçada pelo regime militar, a única fonte de informação da população passou a ser a imprensa alternativa, composta por nomes como O Pasquim, Opinião, Movimento, dentre outros. Os alternativos denunciavam os atos de tortura implementados pelo DOI-CODI, as violações aos direitos humanos, os graves crimes cometidos pelo estado e tantos outros temas e fatos que eram de real interesse público, mas estavam mascarados por nossa "Ditadura Escancarada" pós AI-5, como diz o jornalista Elio Gaspari. O fato é que durante essa época surgiram cerca de 160 periódicos das mais variadas tendências. Com a abertura política no governo de Figueiredo, os alternativos começaram a perder força, principalmente, porque com a “volta da liberdade”, opor-se ao governo deixou de ser monopólio da imprensa alternativa.
É justamente nesse contexto de "volta da democracia" que Lúcio Flávio Pinto decide lançar o seu próprio jornal alternativo. Lúcio já era um jornalista experiente. Ele era repórter do jornal O Liberal, maior veículo de comunicação do Norte e Nordeste do Brasil. O Jornal se recusou a publicar informações que Lúcio reunira em três meses de investigação sobre o assassinato do ex-deputado estadual Paulo Fonteles. O caso envolvia interesses grandes demais para permitir uma cobertura isenta, por isso não só O Liberal, como também outros grandes jornais do país, deixaram este fato de total relevância jornalística passar em branco. Lúcio decide, portanto, criar o Jornal Pessoal e nele publica a matéria que fora rejeitada por O Liberal. O Jornal Pessoal já surge com uma matéria de grande impacto jornalístico, com investigação séria e análise crítica dos fatos, o que vai ser uma marca das demais reportagens do jornal.
O Jornal Pessoal também publicou grandes reportagens que foram simplesmente ignoradas pela grande imprensa, como a que se refere à entrada do narcotráfico no Pará, tendo como foco o assassinato do jovem empresário Bruno Meira Matos. Podemos perceber claramente que, infelizmente, nós convivemos com uma imprensa cada vez mais conivente, parcial, que prefere as declarações às informações. Afinal, as primeiras comprometem quem as deu e não a imprensa, já as informações, são de inteira responsabilidade de quem as publica. A grande imprensa esqueceu um dos maiores princípios do jornalismo: a investigação e o está substituindo pela preguiça, preguiça essa que se traduz em uma cobertura superficial, que não informa, muito pelo contrário, chega até a desinformar, tendo como base um jornalismo de press-release (informações prontas). O Jornal Pessoal não tem publicidade em suas páginas, o conteúdo é puramente informativo, e toda produção jornalística é feira por Lúcio Flávio Pinto.



O jornalismo investigativo praticado por ele já lhe rendeu diversos processos judiciais aos quais ele responde desde outubro de 1992, além de um fato no mínimo covarde. Todos se lembram do episódio em que Lúcio foi espancado e ameaçado de morte pelo empresário Ronaldo Maiorana, diretor-editor-corporativo do jornal O Liberal em um restaurante de Belém do Pará. Esse triste e vergonhoso episódio, apenas mostra que os resquícios do autoritarismo, as seqüelas da autocensura que decorrem da censura direta sofrida durante a ditadura militar e as formas de barbárie e opressão continuam latentes nos dias atuais. Voltamos àquela contradição a que me referi no começo deste texto. Tem sentido um jornal alternativo ser lançado em um período no qual as liberdades estão de volta e a imprensa é livre para informar e investigar os fatos? Afinal a ditadura acabou não é? Hoje somos livres, pensamos e fazemos o que queremos, não há censores, muito menos porões de tortura. O fato é que quando analisamos a trajetória do Jornal Pessoal, um símbolo da luta pela liberdade de imprensa na Amazônia, vemos que a censura está mais viva do que nunca nas redações brasileiras, a diferença é que ela não é oficial, e sim, sutil, mascarada pelos interesses dos grandes empresários da comunicação, que há muito não fazem jornalismo para o público e sim pelo lucro. A grande imprensa simplesmente abdicou de sua capacidade de investigação e de contestação responsável. O Jornal Pessoal é um exemplo de jornal alternativo, alternativo a todos os jornais que simplesmente se recusam a fazer jornalismo, alternativo à preguiça, ao silêncio conivente e oportunista da grande imprensa, à defesa de interesses escusos, à informação pronta e copiada, à falta de ética no exercício da profissão e no trato do interesse público. Um alternativo sério, responsável, que sabe fazer oposição, porque sabe o que diz e o que quer, não vive de especulações e posições extremadas. É, no mínimo curioso, o fato de querermos nos considerar uma democracia, afinal, democracia, liberdade e amplo acesso à informação não combinam com jornalistas que são espancados e jornais que não têm liberdade de expressão quando criticam os detentores do poder ou contrariam interesses econômicos, principalmente, em regiões afastadas do centro econômico e político do país, onde se pressupõe que vigora uma terra sem lei!


O Jornalista Lúcio Flávio Pinto

2 comentários:

Jaddson Luiz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jaddson Luiz disse...

muito bom este artigo. como jornalista independente que também o sou, conheço alguns pontos citados neste artigo. pesquiso e escrevo um jornal sem fins lucrativos que, por enquanto, é destribuido e não vendido.sei como é difícil falar o que poucos querem ouvir. O nome do periódico que escrevo, chama-se "O Centavo", e poucas pessoas tem acesso ao mesmo, uma vez quem, só as pessoas pra quem distribuo este períódigo é que tem a oportunidade de ler-lo.