quarta-feira, 6 de maio de 2009

A igreja na sociedade do espetáculo

Fé na mídia: a cruz é a antena, a antena é a cruz

Vivemos no mundo pós-moderno, na era da internet e da globalização, na sociedade da telemática - aquela que transmite voz, dados e imagem em tempo real. Somos iludidos e bombardeados pelas ofertas de consumo em uma sociedade onde as partes se diluem no todo. Impera a superficialidade, o materialismo, o culto ao corpo, a pressa que não nos permite viver o lento, a dinâmica do tempo. Em meio à ilusão de conectividade, estamos mais isolados do que nunca, individualizados, perdemos a noção do coletivo e não encontramos um sentido para nossa vida. Somos apenas mais uma engrenagem da roda do mercado que gira frenética impulsionada pela lógica do espetáculo, pela midiatização generalizada e pelas regras da indústria cultural.


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O mercado e as regras desta sociedade capitalista parecem ter tomado conta de tudo, inclusive da própria espiritualidade que já não escapa da lógica esvaziada de sentido que pauta a sociedade moderna. Falo aqui de um fenômeno que vem se tornando cada vez mais comum nos dias de hoje: o processo de midiatização e adaptação às regras de mercado por que passa a igreja na atualidade. As chamada igrejas históricas ou tradicionais (católica e protestante, por exemplo) adaptam forma, linguagem e discurso para se inserir dentro das regras da sociedade mídia-espetáculo, com isso, ocorre um nítido processo de mercantilização da fé e espetacularização da experiência religiosa que perde a sua gratuidade.
A fé e o milagre viraram condição, a gratuidade e a essência da espiritualidade deram lugar a discursos superficiais e sedutores que transformaram a fé em um produto e o fiel em um simples consumidor. Percebemos, claramente, neste processo de midiatização e espetacularização da igreja o cotidiano travestido em linguagem ficcional e a substituição da lógica da fraternidade e da solidariedade pela lógica da concorrência já que em um cenário marcado pela liberdade religiosa há uma pluralidade de religiões que se vêm como concorrentes, disputando consumidores e deixando claro aquilo que dissemos no início: a sociedade de mercado tomou conta da nossa espiritualidade.

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A realidade é que neste processo de espetacularização as essências se perdem em favor de uma uniformização da fé que navega ao sabor das ondas do mercado. O vínculo comunitário fica pra trás dando lugar à experiência religiosa direta e individualizada, em outras palavras, ao discurso “Deus sem religião”. Ocorre um acúmulo de mediações e a lógica da indústria cultural de dar ao público o que ele precisa e, em um segundo momento, dizer a ele o que ele deve querer bate na porta dos templos eletrônicos e entra à vontade, sem pedir licença.
Em meio a essa inversão de valores e verdades, a igreja quantifica o mercado religioso, o reduz a números e estatísticas e, visando crescer tal como uma empresa, incorpora as ferramentas de marketing para alcançar maior visibilidade e ajustar a sua oferta à demanda. Tudo é pensado para aumentar o número de adeptos à sua mensagem e, consequentemente, o lucro, satisfazendo desejos e necessidades do consumidor da fé.
Mas, a consequência mais grave de todo esse processo de espetacularização é que nós, seres humanos, não temos mais a quem recorrer. Ou nos contentamos com a superficialidade sedutora dos discursos religiosos atuais ou nos individualizamos na nossa própria experiência religiosa. A lógica do mercado nos prendeu em mais uma de suas armadilhas sufocando a nossa espiritualidade em um contexto onde não se sabe mais o que é produto e o que é mensagem, as coisas se confundem e passam a vir em um pacote que as pessoas consomem sem distinguir as partes.
O homem, que recorria à fé para buscar respostas e explicações que a razão não é capaz de dar, agora encontra apenas uma religião que para ele já não faz mais sentido porque não reflete a sua realidade e sim a realidade do mercado. Somos todos espetáculo, somos todos mídia, não mais nos reconhecemos enquanto causa ou efeito e nossa falta de sentido transborda e enlouquece. Eis o show da fé caro navegante, o último e derradeiro espetáculo.

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