segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Bem vindos ao caminho do VIRTUAL!



O livro O que é o virtual? , de Pierre Lévy tem um caráter profundamente abstrato e filosófico. Não se pode dizer do livro sobre verdades absolutas, eles traz, acima de tudo, um conjunto de ideias e conhecimentos muito bem articulados que geram formas de saber múltiplas e, ao mesmo tempo, específicas. Toda essa produção de saber se dá por meio de uma linguagem extremamente rica e trabalhada, com metáforas bem pensadas, comparações oportunas e um encadeamento perfeito de introdução de uma ideia, desenvolvimento desta ideia, construção de uma base argumentativa e explicativa para sustentá-la e, por fim, uma conclusão que, como já dito, não é absoluta e sim abstrata, inacabada, complexa e nunca fechada, maniqueísta, simplista ou dicotômica.

A obra de Lévy se faz interessante e indispensável exatamente por trabalhar com um tema atual e onipresente, a virtualização, de uma maneira aberta, profunda e, principalmente, sem se valer de preconceitos ou ideias catastrofistas. O autor é responsável, isento e audacioso no seu relato que, algumas vezes, se faz até um tanto quanto hermético, de difícil compreensão em razão da densidade dos conceitos e ideias que são trabalhados, no entanto, percebe-se do autor um esforço para didatizar seu relato por meio de exemplificações constantes, analogias e até quadros que organizam e equilibram os conceitos e definições apresentados.

O ponto mais interessante desta obra é a maneira de olhar do autor . Ele vê a virtualização com olhos que bebem da filosofia e das ciências humanas, por isso, produz uma obra com características humanísticas, de caráter social. Lévy não adota o método cartesiano, fechado, extremamente racional, ele abre possibilidades, incorpora o antigo ao novo, não descarta o primeiro em detrimento do aparecimento do segundo, pelo contrário, mostra como o segundo pode contribuir para o desenvolvimento em essência do primeiro, pela potencialização de todas as suas possibilidades.

No capítulo Três do livro, o autor trata da virtualização do texto. Este capítulo é particularmente interessante em razão da forma como o texto transportado para a tela é visto e apresentado ao leitor no que diz respeito às suas possibilidades de mutação, ampliação e transposição de limites. Lévy começa falando sobre a leitura como uma forma de atualização do texto, uma forma de agir na qual se começa a desligar o texto, rasgá-lo, amarrotá-lo, costurar suas partes, abrir um meio vivo no qual possa se desdobrar o sentido. Um texto recortado, distribuído e avaliado segundo critérios de uma subjetividade que produz a si mesma.
Ler equivale a construir-se para Lévy, um eterno recriar do mundo de significações que somos.

A filosofia a respeito da leitura se faz interessante e indispensável para que depois dela, o leitor mergulhe em questões como a do hipertexto informático.
A escrita com o início da hominização passa a ser uma espécie de virtualização da memória, virtualizante ela dessincroniza e deslocaliza, segundo Lévy. Neste ponto, ele fala de uma diferença importante e marcante do texto em papel e do texto na tela.


Para Lévy, a escrita sobre um suporte estático se sobrepõe sobre os saberes narrativos e rituais das sociedades orais, já o texto contemporâneo que corre em redes, é fluído e desterritorializado, reconstitui a copresença da mensagem e de seu contexto vivo que caracteriza a comunicação oral. Ou seja, o texto em redes, sob suporte móvel, incorpora a linguagem oral, enquanto que o texto sob suporte estático, em papel, se sobrepôs a ela no contexto do seu aparecimento, com essa ideia Lévy quer dizer que o texto contemporâneo incorpora as outras linguagens, não exclui nenhuma delas.

O texto na tela, além de incorporar a linguagem oral, surge então como uma pequena janela a partir da qual o leitor explora uma reserva potencial, não virtual.
O mais interessante e fascinante do hipertexto é que com ele toda leitura também se tornou um ato de escrita. Lévy lembra essa questão em seu livro, e ao fazê-lo mostra como o texto em redes oferece todas as possibilidades para que o leitor não seja mais um sujeito passivo diante das letras negras no fundo branco. Ele agora participa, interage, se movimenta para onde ele quiser e tiver interesse, o hipertexto é uma ferramenta do texto digital que permite dar ao leitor todas as possibilidades para que ele saia de sua passividade e passe a escrever o texto, justamente como autor, não se limitando apenas a lê-lo.


Com o uso do hipertexto e outras ferramentas, o texto claramente passa por um processo de desterritorialização. Os dispositivos hipertextuais nas redes digitais, formadas por fios de diversos universos subjetivos, desterritorializaram o texto.
O que se tem é um texto sem fronteiras nítidas, como diz Lévy com adjetivos precisos e muito bem ilustrativos, não há mais “um texto discernível, individualizável”, mas apenas, “texto”. É como se a página do texto fosse se apagando, ela se furtou e seus signos soltos vão juntar-se à torrente digital.

“Peço ao texto para me fazer pensar, a sua virtualidade alimenta minha inteligência em ato.”

Essa frase de Lévy deixa claro como o texto em redes Lévy diz claramente que a cultura do texto é levada a um imenso desenvolvimento no novo espaço de comunicação das redes digitais e não a um desaparecimento ou fim. A nós, ele nos lembra da importante tarefa de distinguir o texto digitalizado do texto em papel, tradicional, enfatizando que cada um tem suas particularidades, vantagens e desvantagens, o digital se diferencia claramente do impresso, mas o aparecimento de um não decreta o fim do outro, pelo contrário, resgata a essência deste outro, como afirma Lévy ao dizer que a virtualização contemporânea realiza o devir do texto, como se a escrita acabasse de ser inventada, como se a sua aventura tivesse acabado de começar.

Pensamento lúcido, responsável e atento às complexidades deste mundo nosso, Lévy nos ensina a ver que a virtualização sempre existiu, que nós nos constituímos nela, que ela não necessariamente é algo que exclui o resto, pelo contrário, o interessante em Lévy é que ele não trabalha com a ideia de exclusão, uma coisa não substitui a outra, elas se complementam e se resgatam em um eterno devir do texto, da palavra, do corpo, da mente, da vida...

Pontos de Lévy, em pontos do epílogo...

. Sofrimento ao se submeter à virtualização sem entendê-la, causa da loucura e da violência de nosso tempo
.. aponta a necessidade de humanizar a virtualização e ele de fato a humaniza em seu relato.
... para ser ator social deve-se usar e entender a virtualização de forma mais completa e profunda
.... desconstrução de alguns conceitos prontos e difundidos, como a idéia de que a virtualidade é algo falso, imaginário, enquanto que esta é, na verdade, um modo de existência, inerente ao mundo de onde surge tanto o real quanto o imaginário, tanto a verdade quanto a mentira.
..... PAPEL E FUNÇÃO DA ARTE
A arte propicia um salto vertiginoso para dentro da virtualização, é essencial para que se entenda e se viva de fato a experiência da virtualidade
ARTE deve fazer com que a parte ainda MUDA, ouça seu próprio canto, evitando que o POSSÍVEL esmague o virtual e que a SUBSTÂNCIA sufoque o ACONTECIMENTO.
...... a saída nunca é resistir à virtualização e sim acompanhá-la e dar um sentido a ela.
....... a ARTE aparece como principal instrumento de oposição entre uma virtualização requalificante e inclusiva e outra que se faz desqualificante e excludente. A virtualização, como qualquer outra ferramenta, não é boa nem ruim, tudo vai depender do uso que se faz dela.

o homem CRIA as ferramentas
as ferramentas RECRIAM o homem
Mc Luhan

.......Lévy nos convida por fim a seguir o caminho do virtual não de forma ABSOLUTA e sim de forma RELATIVA, não de maneira SIMPLISTA, mas ABRANGENTE, não de forma IMPETUOSA, mas CUIDADOSA, exatamente como se orienta a sua obra.
........Uma obra cuja proposta principal é fazer com que a ARTE e a disponibilidade de estar aberto para entender o novo, que na verdade sempre esteve ao nosso lado, nos preencha enquanto seres que entendam a dinâmica de seu mundo, um mundo de existência e acontecimento....
.......................DE VIRTUALIDADE.............................


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