domingo, 2 de agosto de 2009

O cochicho do nada





Anton P. Tchekhov (1860 – 1904) pode ser mais claramente definido como aquele que preencheu o mínimo com o máximo. Ao contrário dos vastos panoramas de outros escritores russos como Dostoiévsky e Tolstói, ele concentrou os grandes problemas humanos nas formas breves do conto e da novela e construiu uma obra dotada de força extraordinária, sensibilidade assustadora, enredos angustiantes, detalhes minuciosos e qualidade indiscutível que a fizeram uma das principais portas de entrada para a literatura contemporânea.
Tchekhov impressiona pela leveza e, ao mesmo tempo, pela densidade e dificuldade do relato. Lê-lo não é fácil. É como penetrar nas regiões mais gélidas e profundas da alma humana, sentir-se sufocado, angustiado e, por fim, aliviado por já ter visitado o que mais pode um homem angustiar: a solidão e o reconhecimento da miséria de nossa existência.

No livro O Beijo e outras histórias, a tradução esmerada de Boris Schnaiderman nos traz contos que reúnem as peculiaridades e os traços e temas do cotidiano mais constantes em Tchekhov. No conto O Beijo, o leitor é conduzido a um mundo de imaginação, fantasia, sonho e loucura para se perder em um labirinto obscuro que conduz à dor calada e seca das existências mudas e absurdas por que solitárias e vazias. Já no conto Enfermaria nº 6, o mestre russo da narrativa curta expõe em faces nuas e cruéis os limites entre a razão e a loucura, faz com que o leitor conheça em palavras duras e frias - assim como as paredes da enfermaria - aquilo que somos no mais fundo, aquilo que apenas a cada um de nós se faz real e doloroso. Nas linhas deste conto fica clara a conversão de quem cura em quem padece e nas entrelinhas o inferno de nossa humanidade estreita e banal que um dia conhece a glória e, no outro, apenas incompreensão, abandono e indiferença, menos dos outros do que de si mesmo.
Tchekhov se embriaga do que de melhor existe na literatura: a linguagem correta, o detalhe decisivo e a forma insinuante do relato que conduz ao inacabado e permite a reflexão de quem lê. Por tudo isso, renovou a narrativa curta com emoção e inteligência, combinadas na exata proporção.




Anton P. Tchekhov


Machado de Assis


Algo interessante ao lê-lo é perceber as claras semelhanças existentes entre ele e Machado de Assis. Em suas letras nos sentimos estranhos e, ao mesmo tempo, em casa já que o fio do enredo tchekhoviano parece ser tecido com as mesmas linhas do enredo machadiano. Semelhanças se notam nos temas do cotidiano, nas sutilezas de tratamento e no universo social abordado.
Assim como Machado de Assis faz no conto O Espelho, Tchekhov em Enfermaria nº 6 constrói um personagem que dialoga com a solidão e se faz obcecado por encontrar um sentido para sua existência. Tanto o velho professor de medicina de Tchekhov, quanto o alferes Jacobina de Machado de Assis estão prontos para ver o apagar das luzes, para sentir a frieza do fim e ouvir o cochicho do nada. O primeiro pelas ilusões da loucura, o segundo pelas lâminas do espelho. Os dois pelos mistérios da alma.

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