quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cela vermelha - 2º parte


Eu, particularmente hoje, estava me sentindo muito sozinha. Não sei se assim estava em razão do silêncio mais acentuado do que o normal ou se me sentia atormentada depois do sonho que tivera nesta última noite. Agora dele tenho uma vaga lembrança, imagens soltas, meio embaçadas. Lembro-me apenas de estar conversando com meu pai e com um moço que, à época de minha liberdade, elogiara-me por algumas leituras.

Depois de súbito me perdi por um pomar extenso, úmido e escuro, gritava muda, sufocada, pareciam me tocar, me acorrentar, abelhas me devoravam, entravam e saíam, só vi meu pai indo embora com uma camisa bonita que em uma loja eu havia visto em um tempo outro. Foi quando acordei e olhei para o teto cinza da cela e desde então tenho me sentido perseguida, angustiada, sufocada, como se essas paredes me comprimissem mais do que o normal, como se nelas eu estivesse aos poucos enlouquecendo e me derretendo, diluindo meu caldo humano, dramático e complicado.

Estou achando, por esses dias e noites, que sou toda cimento, que faço parte desta parede, que existo nela, nesta compressão, nesta limitação. Ah! Como tudo isso me entope! Hoje precisava sair, ouvir uma voz, uma música horrível que fosse, precisava de água e só o que vejo é a secura de um cárcere, mais seco que o normal. À secura do cárcere soma-se a secura de minha alma, meu abandono, minha solidão.

Acordei, mais é como se o sonho ainda me perseguisse, como se as abelhas quisessem por fim me devorar, me comer inteira, tirar de mim qualquer espécie de alma, alma esta que já não me resta intacta, apesar de senti-la um tanto assim formada. Se as abelhas ainda não me devoraram, os homens e seu mundo já o fizeram trancando-me aqui, apenas porque me defendi de um homem velho e nojento que de mim quis abusar em uma destas noites da vida, em um desses bares do caminho, em uma dessas fossas banais.

Só não sabia que o homem era rico. E ainda não tinha entendido como as coisas por aqui funcionam, como a brasa por aqui queima e na pele de quem ela arde.
A noite foi chegando e à medida que as sombras cresciam, eu ia ficando cada vez mais enlouquecida pelo silêncio. Neste dia nada comi, sequer me levantei, não tinha forças para pensar. Nos meus tantos livros amontoados no canto do meu espaço cinzento tampouco toquei. Confesso que os olhei diversas vezes, mas me faltava alguma coragem para neles penetrar. Que coisa horrível, que sonho angustiante, que sentimento de morte que de mim se apossava.
Tinha medo.

Medo era a única coisa que conseguia ter certeza de que sentia. Era meu rastro de humanidade e sentimento. Tinha medo das abelhas de meu sonho, achava que elas viriam me devorar, tinha medo de desaparecer dentro deste espaço pequeno e cinza, dentro deste espaço solitário e bravo, dentro deste mundo que pra mim sempre fora duro e injusto.
Foi quando um grito irrompeu o silêncio. Era Carmem que se debatia contra as paredes de seu reduto dizendo algumas palavras confusas e perdidas. Ninguém deu muita importância, tampouco eu que fechei os olhos tentando aproveitar daquele ruído para aliviar-me de minha dor.

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