sábado, 3 de outubro de 2009

"A mais bela das primaveras"

O balé A Sagração da Primavera estreou em Paris no dia 29 de maio de 1913 com música de Igor Stravinsky e coreografia de Vaslav Nijinsky com direito a uma vaia que ficou marcada na história da arte. O fato é que se A Sagração chocou na estreia aos poucos foi caindo no gosto do público e se tornou uma espécie de “clássico de vanguarda”. Por mais paradoxal que a expressão possa parecer ela reflete muito bem o espírito do balé que inovou não só a dança e o modo de fazê-la como também a concepção de arte.


A Sagração da Primavera já foi apresentada em diversas versões nas quais os coreógrafos buscam com olhares peculiares contar a história de uma jovem que precisa ser sacrificada e oferecida ao deus da primavera. Mas, o mais impressionante não é essa antiga lenda russa que serve de pano de fundo para a história e sim o espetáculo de corpo, mente e alma que é apresentado pelos bailarinos no palco. Na primeira versão de Nijinsky, os dançarinos tremem, se contorcem em espasmos, dizem sem dizer, harmonizam seu corpo com a música, promovem uma encontro sublime entre representação e realidade. Eles golpeiam o solo com os pés, contrariando o tradicional “flutuar”, tudo isso em uma atmosfera mais rebuscada tanto no que diz respeito ao cenário quanto em relação ao figurino.


Já a primeira grande releitura da Sagração da Primavera tornou os recursos de cena mais econômicos e retirou a história do contexto regional russo. O francês Maurice Béjart em 1959 transformou a história do balé numa celebração ao amor universal. Para ele, o encontro carnal de um homem e de uma mulher no balé simboliza, também, a união do céu e da terra, a dança de vida e morte – “eterna como a primavera”.
Outras versões de A Sagração da Primavera foram feitas por Martha Graham em 1984 e pela coreógrafa alemã Pina Bausch em 1975. Pina trabalha em sua releitura as relações humanas, tema constante em toda sua obra e concebe a batalha entre vida e morte em um palco coberto de lama que, aos poucos, vai se alojando nos pés descalços, no peito nu dos bailarinos, nas camisolas transparentes das mulheres.
O fato é que em todas as versões de A Sagração da Primavera a ênfase na sexualidade sempre foi uma constante com movimentos pélvicos, violentos, de extrema intensidade, ou seja, os gestos primeiros de Nijinsky foram preservados e aquela vaia inaugural realmente ficou para trás dando lugar à verdade da contestação, aos movimentos de vanguarda na arte, a uma nova forma de dança que incorpora elementos da arte teatral e assim se faz dotada de uma força e essencialidade fora do comum.




Aviso aos navegantes: A Sagração da Primavera, versão de Pina Bausch, foi apresentada no Brasil agora no mês de setembro no teatro Alfa em São Paulo. No entanto, para quem não pôde ver (como esta que vos fala) ficam aqui fotos de algumas versões do balé e também a dica de um espaço no qual o leitor pode encontrar vídeos com trechos de releituras de A Sagração da Primavera. Vale a pena ver e se impregnar de arte no sentido mais completo que este termo pode ter. Arte em essência, beleza, harmonia e intensidade da música, do corpo, do ritmo, do olhar, do tempo e do espaço.

Com toda a força e a esperança da mais bela das primaveras...




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