quarta-feira, 1 de julho de 2009

Manifestação X Arte

Boneco de borracha apresentado na 53ª edição da Bienal de Veneza: manifestação pura e simples ou técnica artistica na semelhança com o real?



Nas palavras de Robert Hughes, um dos mais famosos críticos de arte do mundo, “a experimentação em arte é somente figura de retórica”. Esta frase e as demais ideias expostas em recente texto do jornalista Mino Carta, publicado na revista Carta Capital, me colocaram a refletir sobre a arte e sobre algumas outras questões como a existência de limites em sua constituição e a delimitação, às vezes esfumaçada, da fronteira entre a arte que é arte e a manifestação pura e simples de qualquer coisa que se faça disfarçada e materializada no jogo de cores e formas de um quadro, no movimento de luzes e corpos no palco, nas entrelinhas das páginas de um livro, nos passos de um espetáculo, nas formas subjetivas de um objeto esculpido para ser admirado ou decifrado. Como se olhasse esses conceitos refletidos no espelho de minha memória encontrei no inconsciente indagações a respeito da possibilidade de espetacularização da experiência artística e imbecialização parcial, não geral, do mundo, dos homens, da lógica moderna.
Há uma frase que gosto do poeta Ferreira Gullar que diz: “Toda arte é manifestação, mas nem toda manifestação é arte”. Gullar tem uma visão mais crítica em relação à arte dita moderna e contemporânea. Ele exagera em alguns pontos de sua posição, generalizando certos conceitos, mas o considero claro e correto em outros, como quando ele fala em critérios, em certa racionalidade na construção da obra artística, em uma coerência mínima entre os elementos que a desenham, que a revelam aos olhos do mundo. Gullar fala de razão, critério e coerência, palavras cada vez mais raras em um mundo que confunde liberdade de expressão com técnica artística ou jornalística (fazendo aqui uma breve, mas suficiente menção a respeito da polêmica do diploma para exercer a profissão de jornalista). Queremos ser multiculturais, modernos, abertos, globalizados, mas esquecemos de ser claros, lúcidos, sólidos. Sou uma defensora clara da liberdade, da arte em toda sua expressão e plenitude para que ela deixe transparecer os mais profundos sentimentos, as mais belas sensações, os mais impossíveis dramas e amores, mas acredito que ainda mais importante que a liberdade seja o conhecimento, posto que a liberdade nos é tirada já o conhecimento não, ele se faz cumulativo e eterno. Uma arte apenas livre pode ser refutada, tornando-se ligeira e frágil, mas uma arte pensada, fundamentada no conhecimento e no saber artístico é eterna, forte, pungente e lancinante.
Exemplos como o da recente Bienal de Veneza nos mostram o quanto a arte pode perder parte da sua estética em benefício da obsessão pelo novo e da reprodução de modelos midiáticos. A arte tem se transformado, em alguns casos, em mais um produto da indústria cultural, ou seja, tornou-se superficial, anti-reflexiva, descartável, efêmera e banalizada.
A arte contemporânea tem muito de belo, de sentido, de lógica, de emoção, mas alguns de seus cantos por vezes mostram-se incoerentes e, neste caso, é preciso razão e discernimento técnico e estético para aparar as arestas, acertar os detalhes e mostrar ao público o real sentido da experiência artística que é, basicamente, a busca do diálogo entre texto, imagem, objeto, dor e, por vezes, loucura, estabelecendo uma relação entre as diferentes formas artísticas. A arte deve se fazer sempre da complementaridade de processos criativos que possam, acima de tudo, ampliar o sentido cultural. Lembremos que a linha que separa a razão da emoção, a técnica da inspiração, o conhecimento da vocação é muito tênue. É preciso ter cuidado no fazer arte, ela é mais do que uma pura e simples manifestação, ela é menos do que uma técnica rígida, mas ela bebe de todas essas fontes para se constituir enquanto melhor representação da verdadeira liberdade - a liberdade que existe no conhecimento.

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