segunda-feira, 20 de julho de 2009

Sombras da cidade - Parte 3


E muito mais está por trás dos mistérios de uma cidade. Tanto as grandes quanto as pequenas têm sua lógica, seus personagens, seus anônimos. As cidades são o espaço da diversidade, da loucura eterna que conduz a busca pela sobrevivência nossa de cada dia. Nelas, alguns engraxam sapatos, outros entregam a correspondência, outros escrevem cartas de amor, raiva, ódio, rompimento. Alguns escrevem histórias fantásticas, outros as contam para quem interessar ouvi-las possa. Alguns escutam sem falar, outros falam sem escutar, muitos são levianos ao falar da vida alheia, poucos equilibram os lados, as emoções.
Mulheres e homens limpam escritórios, escolas, universidades, preparam o dia trabalhando durante a noite, saem às ruas quando nelas já não há mais ninguém e voltam pra suas casas antes que as ruas recebam as primeiras vozes de um novo dia. Alguns dirigem táxis, ônibus, muitos nascem, tantos outros morrem, alguns sorriem, outros choram. A dualidade da vida urbana é algo impressionante que vai além de um mero estudo das sociedades.
Alguns se matam a luz do dia saltando de uma ponte ou de um precipício, outros preferem as sombras do quarto ou a solidão gélida e material dos banheiros. Muitos outros são os que tentam tirar a própria vida, mas são impedidos antes por alguns que ainda olham para os desesperados e percebem que nos dias de sol o número de suicídios é maior que nos dias frios. Isso acontece porque nos dias de sol a maioria das pessoas se sente mais feliz, sai às ruas, passeia sozinho ou com a família. Essa felicidade do mundo aumenta a depressão dos já bastante deprimidos. Já nos dias frios, a sensação é de tristeza generalizada para os que já tão tristes vivem, o que alivia a sensação de estar triste na solidão.


Nas pequenas e grandes cidades são muitos os que vendem o corpo, muitos os que prometem salvar a alma, muitos os que rezam em templos criados pelos homens e aguardam por milagres e curas duvidosas. Algumas mulheres leem as mãos, dizem enxergar o futuro e o que está por trás da alma de cada um. Há feiticeiras que enfeitiçam os homens na boca da noite, mulheres que traem os maridos, maridos que traem as mulheres. Muitas crianças choram, muitos velhos engolem o choro que ainda lhes resta depois de tanto por esta vida chorar e, quase sempre, morrem da mesma maneira que viveram – sozinhos. Alguns tomam café da manhã juntos, outros comem cada um em um horário, muitos nem comem. Espíritos rondam as madrugadas, os mais atrevidos saem à luz do dia, todos falam aos nossos ouvidos o tempo todo, os bons nos fazem olhar para além de nós mesmos, os ruins nos enterram em um narcisismo primitivo e enlouquecedor.
As cidades estão cheias de morte e vida, convivendo ao mesmo tempo, quase que no mesmo espaço, assim como ela está repleta de luz e sombra, ódio e amor, conhecimento e ignorância, brilho e banalidade. Tudo isso faz da cidade algo único, pitoresco, uma engrenagem que gira sem parar, uma estrada que consome a si própria, um ruído de carros, um silêncio de morte, um vai e vem de passos, um fascínio pela morte, um medo da vida. As desigualdades se multiplicam nas cidades, grandes ou pequenas, a indiferença ao outro cresce na mesma proporção, as formigas, os gatos e os ratos continuam por aí. O motorista, o faxineiro, o lixeiro, o porteiro, o mendigo, o contador de histórias, os espíritos de outrora continuam sem ser vistos. Assim seguem os anônimos desta selva onde, mesmo que não se note, há vida entranhada em cada pedaço de concreto.

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