sábado, 11 de julho de 2009

Sombras da cidade - Parte 1



Nas ruas de qualquer cidade, seja ela grande ou pequena, seres habitam as sombras da noite e as luzes do dia, desafiam as madrugadas misteriosas e os dias agitados sem serem vistos, sem sequer serem notados, sem que muitos se deem conta de que eles estão ali, passando ou sonhando. Os anônimos são de tantos tipos quantas forem as lacunas de qualquer existência. Começam pequenos, apenas no tamanho, como as formigas que saem corajosas a andar por entre passos apressados, brotam da terra buscando ar, com a esperança de que consigam passar sem serem esmagadas por um andante descuidado. Gatos correm aflitos, reviram os lixos deixados pelos moradores de casas e prédios, comem ratos de porões, de esgotos. Alguns saem de dentro da terra para ver a luz da lua ou sentir o calor do dia, outros passam a vida em baixo dela, comendo ratos e se protegendo do frio ou da chuva. Os gatos mostram seus olhos grandes e dilatados na sombra da noite, e a sua rapidez feroz é parecida com a das grandes metrópoles que não dormem.

Enquanto ratos, gatos e formigas passeiam por entre nossos distraídos olhos, o motorista de ônibus enfrenta o trânsito enlouquecido da cidade grande, vê os passageiros se acotovelando, disputando pequenos espaços, senhoras cheias de sacolas contando demoradamente o dinheiro e fazendo com que uma fila se forme na chuva ou no sol forte do lado de fora do ônibus. Escuta a campainha intermitente dando o aviso da próxima parada, precisa estar sempre atento às luzes do trânsito, ao caminhão que vem por cima, à moto que corta pelos lados. Dele se exige perfeição diária, atenção redobrada e paciência inimaginável. Dele quase sempre se vê apenas o queixo pelo retrovisor, nada mais.

Os lixeiros varrem a sujeira das ruas, fazem que o lixo de ontem desapareça para que a rua novamente limpa possa receber os outros lixos de hoje. E os que fazem o lixo não enxergam os que o limpam, devem acreditar em magia, como se o lixo desaparecesse, simplesmente, porque tinha mesmo que desaparecer.

Os homens que dormem e acordam nas ruas continuam pelas calçadas, sob viadutos e pontes, no meio do mato, na guerra por um espaço, por um canto, por um pedaço de papelão, pelo resto de pano. Lutam uma batalha - onde, na maioria das vezes, se entra pra perder - com o frio que perfura e mata, mata de dor e angústia. Às vezes, alguém tropeça em um desses “montinhos” espalhados pela calçada e só aí percebe que ali existe um homem, uma criança ou uma mulher. Antes, apenas um monte de lixo, um amontoado de panos ou algo do tipo.

E o que dizer do porteiro daquele prédio que vive calado, nada fala e muito escuta. Porteiros são interessantes, olham tudo o tempo todo. Percebem o mundo, mesmo quando acreditam não perceber. Ficam horas sentados, reparam e depois tiram as suas próprias conclusões. Ágeis como os gatos noturnos, caçam os ratos em silêncio e vão alimentando seu repertório de crenças, cobertos pelo manto do anonimato.

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