quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Caminho do desejo



Quando olho este caminho
por onde escorre e flui meu desejo,
me faço impetuosa.

Espero vir a poesia
por cima de rabiscos apagados
mal traçados e perdidos.

Espero vir a poesia do verde, do cheiro, do tom...

Espero vir a poesia que me desconstrói
no mesmo movimento em que me constrói
nesta linguagem que almeja sentido, arte.

Espero vir a poesia que cria, compõe
com a palavra, com a rima ou com a sua falta,
desenhando curvas e desespero de corpo, paixão da alma

Espero vir a poesia que olhe para o que não é visto,
que não procure explicar, antes apreender, resgatar
a potência que faz a vida mais bonita.

Espero a poesia que faça com que a parte ainda muda
ouça seu próprio canto, com que a beleza ainda maquiada
se faça autêntica e natural, com que a dor hoje sentida
preserve em seu fim a verdadeira alegria,
com que a cegueira branca dos fracos e angustiados
se faça extinta e, por fim, a visão torne-se colorida.

Ver o invisível.
Ouvir o inaudível.
Dizer o indizível.

Espero a poesia que talvez sequer seja entendida...

Quero aquela que chegue em zonas tão profundas ou obscuras da existência que os covardes da sua palavra não possam apreciar, sentir e provar.
Ela seria muito para eles e então dela diriam ser absurda, surreal, louca, grotesca, como fazem todos aqueles que não suportam aquilo que se faz belo, tão belo que ofusca, como um olhar que fulmina e seduz, atrai por ser autêntico, por não ter medo de encarar o outro, seja ele qual for, porque esse olhar já se desconstruiu na construção da sua essência enquanto ser que acontece, que sente, cria.

Espero a poesia que não tenha tempo,
tampouco ocupe espaço
Quero aquela que crie tempo e espaço.

Espero a poesia que brote como água da rocha, limpa, fresca
E, por fim, desça impetuosa e branca como uma bela e misteriosa cachoeira.
E que como a cachoeira não canse de descer, forte, firme, pelas mesmas rochas
entre os cantos e recortes da mesma mata, ano após ano, segundo após segundo, abraçada pelas montanhas, protegida pela eternidade.

Espero a poesia que me faça existir em essência, na potência virtual de um acontecimento, a poesia que me resgate do banal, das paixões tristes, da melancolia vazia, da insegurança desanimadora e sufocante, que me torne amada de mim mesmo, potência do meu meio, presente no meu presente, sem prender-me às faltas do passado e medos ou ilusões do futuro.

Espero a poesia que atraia e arraste as mentes mais obtusas, para que elas descubram sentidos antes despercebidos, para que elas gozem do verdadeiro gozo, saciem-se com a sua própria vida, não se alimentem de falta, não precisem da vida do outro para suportar o vazio existencial da sua. Não precisem do reconhecimento do outro.

Espero uma poesia que não precisa buscar o ideal, a perfeição de forma e essência, a ilusão dos homens. Quero uma poesia que precise do real, do banal, do lugar onde existe o interessante, do olhar, dos sentidos, das histórias, da natureza em sua mais alta potência do falso.

Quero a palavra que se suporte, que se goste, que se renove.

Espero a poesia que não seja vazia, que não esteja separada do que pode e sim próxima do que gera valor, cria potência, alimenta o outro e desperta nele o que ele tem de melhor.

Espero a poesia que desabroche na diversidade, que não alimente máquinas, que não sirva ao poder, que construa e se construa, que trabalhe a linguagem, que tenha sensibilidade e percepção para distinguir sexo e sensualidade, paixão e amor, amenidade e intensidade.

Espero a poesia que componha seus acordes com amor, que faça de seu regime de signos um eterno ensaio literário, uma brecha do tempo, um devir da alma.

Espero a poesia que emocione o outro, mas que o emocione não de maneira que este verta lágrimas de forma desesperadora e sim que ele, antes de tudo, tente esconder suas lágrimas, pois assim serão estas lágrimas sinceras, verdadeiras em uma dor que por vezes esconde uma alegria, alegria também verdadeira, a melhor de todas as alegrias.

Espero a poesia que não tenha verdades absolutas, mas que saiba muito bem qual é a sua verdade e respeite a verdade que existe em cada ponto de vista.

Espero a poesia que seja como uma linda estrada de terra, cercada por montanhas, coberta por um céu azul, por casas singelas, por uma cerca toda poética, por sons da natureza, dos pássaros, das flores, das pedras deste caminho.

Quero uma poesia que seja o caminho, nunca o começo ou o fim, apenas o caminho...


Um comentário:

M. Elle. disse...

Pode apostar, meu bem, a poesia é o caminho sim :) Viver é poesia!