quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Fragmento

E, pouco a pouco, foi-lhe surgindo na alma um romance, radiante e absurdo: um sopro de paixão, mais forte que as leis humanas, enrolava violentamente, levava juntos o seu destino e o dela; depois, que divina existência, escondida num ninho de flores e de sol, longe, nalgum canto da Itália... E toda sorte de ideias de amor, de devoção absoluta, de sacrifício, invadiam-no deliciosamente, enquanto os seus olhos se esqueciam, se perdiam, enlevados na religiosa solenidade daquele belo fim de tarde. Do lado do mar subia uma maravilhosa cor de ouro pálido, que ia no alto diluir o azul, dava-lhe um branco indeciso e opalino, um tom de desmaio doce; e o arvoredo cobria-se todo de uma tinta loura, delicada e dormente. Todos os rumores tomavam uma suavidade de suspiro perdido. Nenhum contorno se movia, como na imobilidade de um êxtase. E as casas, voltadas para o poente, com uma ou outra janela acesa em brasa, os cismos redondos das árvores apinhadas, descendo a serra numa espessa debandada para o vale, tudo parecera ficar de repente parado num recolhimento melancólico e grave, olhando a partida do sol, que mergulhava lentamente no mar...

Os Maias, Eça de Queirós

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