quarta-feira, 18 de março de 2009

Convite à filosofia: Democracia e Mídia

Marilena Chauí
Marilena Chauí, filósofa, professora de filosofia moderna e contemporânea na USP (Universidade de São Paulo), secretária de cultura do governo de São Paulo durante o mandato da ex-prefeita Luiza Erundina (1988-1992) e autora de vários livros como: O convite à filosofia, O que é ideologia, A Nervura do Real, Espinosa: Uma Filosofia de Liberdade, Simulacro e Poder, dentre tantos outros, trouxe um pouco de sua fala carregada de ideias e reflexões para os alunos da PUC-Campinas em uma palestra realizada no dia 18 de março de 2009. Marilena Chauí mostrou uma constante linha de raciocínio, um pensamento ordenado e abrangente, uma visão total e, ao mesmo tempo, particular, específica. O tema de sua palestra foi: Mídia e Democracia. Sobre estas Marilena falou criticamente, valendo-se de argumentos coerentes e de exemplos presentes em nossa realidade.

Democracia

De maneira geral, Marilena iniciou sua fala com uma explicação sobre a democracia, enumerou suas características, apontou suas contradições, seus conflitos internos e não se esqueceu dos obstáculos reais da própria organização da sociedade que impedem a existência, de fato, da democracia em nosso país. Falou de liberdade e igualdade, democracia liberal e social, do desafio de operar conflitos na contradição de nossa sociedade, da ideia dos direitos das minorias e da necessidade que estas têm de reivindicação. Mostrou que as eleições não são, como pode parecer, um sinal da alternância do poder, mas, antes de tudo, um sinal do vazio característico deste que o torna pertencente ao povo - o grande soberano da democracia. Marilena caracterizou a sociedade em que vivemos como patriarcal, violenta – no sentido em que trata os indivíduos como coisas usáveis e descartáveis – clientelista, burocrática, hierárquica, repleta das carências de muitos e inundada dos privilégios de poucos. E depois afirmou quase que ironicamente: está difícil a democracia “hein”! Seguiu com a importância de repensar políticas sociais que assegurem os direitos dos cidadãos, com a denúncia do alargamento do espaço privado e o encolhimento do público e com a transformação da práxis política em mera técnica, reduzindo o ato político à administração e ao voto.

Mídia

Depois desta primiera introdução, Marilena inicia uma reflexão sobre a mídia na atualidade. Basicamente, segundo ela, vivemos em um mundo onde os meios de comunicação ditam as regras e exercem o controle de tudo e todos porque possuem, dentre outras coisas, os poderes econômico e ideológico. São empresas privadas, regidas pelo capital e marcadas por uma forte concentração – oligopólios que beiram o monopólio. A mídia que se nos apresenta hoje, é a mídia que fabrica e vende a ideologia da competência, na qual não é qualquer um, em qualquer lugar que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro, ou seja, é uma ideologia que dá forma a uma das mais perversas formas de opressão e divisão social entre os que sabem e por isso mandam e os que não sabem e por isso obedecem. Simples, prático e terrível, eu acrescentaria. Marilena nos conduz a uma mídia que instala o terror, na medida em que generaliza a culpa, presume os fatos, colocando todos em uma mesma situação de domínio e manipulação que chega a ser vista por alguns como uma atitude ética (tais são nossas inversões de valores como já diria Erasmo de Roterdã no seu atualíssimo Elogio da Loucura). E neste cenário, Marilena fala do profissional da mídia que se tranforma em formador de opinião, aquele que é considerado o grande especialista, que julga, manipula fatos e humilha entrevistados - tudo para fornecer a versão do ocorrido e não o seu relato por parte de um personagem diretamente envolvido neste. Mas aí é que entra um dos pontos principais da fala de Marilena Chauí: a anulação do outro, do público, da opinião pública, a destruição de seu corpo e sua alma - facilmente transformados em entretenimento e espetáculo - em meio à valorização do privado em detrimento do público. O que importa é o que você sente e não mais o que você pensa, já que a mídia não vê o outro como um ser que pensa e sim como alguém incapaz de falar sobre si ou sobre um fato, precisando se ater à versão do outro, do especialista dito acima, para aí sim formar uma opinião.

Desconstrução da opinião pública e poder desmesurado

E dessa forma Marilena diz que o jornalista destrói a opinião pública em um processo contínuo de alienação e esvaziamento de qualquer espécie de sentido e lógica, ao mesmo tempo em que o jornal vai deixando de lado a informação para aderir à opinião e o jornalista se vê tentado à proposta cada vez mais atraente de criar, ele também, a própria realidade. O noticiário vai se transformando em novela e a novela em noticiário, a TV assume a sua posição de SUJEITO que tudo sabe e controla, sentindo-se cada vez mais confortável nela, em meio ao OBJETO que fala à câmera, OBJETO que, na verdade, deveria ser o sujeito desta relação, mas que, iludido, é destituído dessa condição. Diante da destruição evidente da opinião pública, a mídia inventou a manifestação de sentimentos e fez vir à tona os gostos, as predileções, o pessoal, que como o próprio nome diz é pessoal, da pessoa, tão claro, tão descontextualizado. Sinais evidentes do poder desmesurado da mídia, da capacidade mágica dos meios de comunicação de fazer acontecer o mundo. É o famoso eu faço e aconteco! A mídia cria realidades, não só a realidade, e diante deste poder supremo ela se julga Deus, incorporando com tamanha eficiência sua onipotência, onipresença e oniciência.

Esta sociedade ainda precisa destes jornalistas?

É a sociedade imersa na cultura do narcisismo, na qual para que algo seja aceito como real não precisa ser verdadeiro, basta parecer crível por aqueles que não transmitem mais informações e sim preferências. Sociedade da destruição do que nem sabemos se temos, da lógica do descartável, da indústria cultural, do fácil, do passivo, do que anula e usurpa nosso lugar, nossa dignidade. Em meio a tudo isso, resta-nos conviver em uma sociedade que de democrática não tem nada, onde ressuscitamos o velho coronelismo dos tempos da república velha , a do café com leite, dando a ele apenas uma nova roupagem: a eletrônica. E nisso tudo onde será que fica o verdadeiro jornalismo, o verdadeiro jornalista, a relação equilibrada entre mídia e democracia na qual uma pode nutrir-se da outra de forma saudável e complementar? Será que esta sociedade, que se apresenta em constante e enlouquecido espetáculo, precisa de jornalistas que já não se sabem mais se causa ou consequência e acabam servindo como produtos desta descontrução da opinião?

Convite à filosofia

Termino com as perguntas já que a fala firme e densa de Marilena não me deu muitas respostas, no lugar delas, completou-me com dúvidas e inquietações que ficam por meu pensamento em meio às inegáveis sutilezas e provocações desse seu claro convite à filosofia, neste caso, uma filosofia da democracia e da mídia, ou melhor, da ilusão da verdadeira democracia e da coerente mídia.

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