sexta-feira, 20 de março de 2009

DitaDURA e ditaBRANDA

Recentemente, o termo “ditabranda”, trocadilho proveniente de ditadura, ganhou espaço na mídia brasileira em decorrência de um editorial publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. O uso do termo provoca uma discussão sobre o grau totalitário que perdurou durante o Regime Militar no Brasil (1964-1985). O trocadilho não é de todo errado, muito menos se faz desinteressante, carrega um sentido de originalidade, mas deve ser visto com cuidado. A ditadura que se instalou no Brasil foi gradual, assim como muitas outras que semearam o horror pelo mundo afora. Só para citar alguns exemplos, o Nazismo começou de maneira tímida e só depois se fez conhecer como um dos regimes mais abomináveis da história. A Revolução Francesa foi uma em várias, realizou-se em fases e uma delas ficou efetivamente conhecida como “Período do Terror”, sob o comando dos Jacobinos, onde a crueldade era mais visível e a guilhotina ocupava seu lugar de protagonista no festival de cabeças cortadas.
A ditadura no Brasil começou, para usar a ótima sequência e caracterização de Elio Gaspari, de forma envergonhada. No seu início, algumas garantias democráticas ainda persistiam em meio às tentações autoritárias. Era como se a dureza da ditadura estivesse com vergonha de se impor, daí ditadura envergonhada. Mas em 1968, com o AI-5, a ditadura deixa de ser envergonhada e passa a ser a ditadura escancarada. Ela mostra toda a sua crueldade, desrespeito à dignidade humana, cerceamento das liberdades individuais e de expressão, bem como a abolição de todas as garantias democráticas. Depois desta fase destes que a história decidiu chamar de “Anos de Chumbo”, tivemos uma ditadura encurralada, cercada por ameaças nem sempre visíveis e por uma oposição que começava a tomar forma novamente, mas mesmo assim uma ditadura que continuava firme na sua desumanidade, de início - é bom lembrar já que a boa história agradece - patrocinada por boa parte da sociedade civil (não esqueçamos, o golpe foi um Golpe Cívico Militar). No entanto, como tudo que começa tem um fim, a ditadura de encurralada passou a derrotada! Eis nossa gradual ditadura política, com suas fases, suas peculiaridades, sua variações que, no entanto, não diminuem, muito menos justificam todo seu horror!
De todo esse pensamento a respeito de parte de nossa história, concluí que nenhuma ditadura pode ser considerada branda. Por definição não há brandura nas ditaduras, assim como não há explicação razoável para os efeitos de uma guerra que mata aos milhares. São coisas para as quais não cabe um meio termo, tão buscado em muitas de nossas relações sociais. Veja bem meu caro navegante! Ser gradual é uma coisa, faz parte do próprio processo histórico- político dos fatos, de suas causas e conseqüências. A história é gradual, mas dentro dessa gradualidade existe o justo e o injusto, o duro e o brando. Não vejo problemas no uso do termo “ditabranda”, como disse no início, achei-o original e sugestivo, apropriado para comparações entre a época de lá e de cá, ilustrando eventos de cerceamento e autoritarismo parecidos com os da ditadura, mas que acontecem em plena vigência da democracia (ou do que acreditamos ser a plena vigência da democracia). Mas, com respeito à história e às suas sutilezas e verdades naturais, acho de todo necessário olhar para o termo com cuidado e com a amplitude de pensamento daqueles que percebem que a gradualidade de uma ditadura não a redime de seu horror.
Em poucas palavras uma ditadura é sempre dura, a diferença é que às vezes esta dureza está vestindo roupagens de vergonha, de escancaramento, de encurralamento ou de derrota! Mas é tudo uma questão de ponto de vista, um pouco de história e uma dose de criatividade. Esta última nosso último refúgio para tratar de tantos absurdos e barbaridades, como a transformação de um ministro em censor e todas as decorrentes feridas desta transformação na liberdade de imprensa e na liberdade individual.

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