segunda-feira, 16 de março de 2009

Do silêncio e da grandeza de um amor


O verdadeiro amor é aquele que se guarda e espera sua realização. É aquele que te provoca as angústias mais inquietas e os prazeres mais enlouquecidos. É aquele do tédio, do conflito, da transformação. Também é o das eventuais deslealdades que se dividem com as lutas, doenças, insanidades. É o amor das cartas, das palavras que saltam tímidas ou impetuosas do coração. É o amor dos beijos intermináveis, dos sonhos arrebatadores, das emoções incomparáveis. Acima de tudo, e de maneira tão original, o verdadeiro amor é o que resiste ao tempo e não importa em existir em silêncio, em ser em silêncio, maior e mais dolorido do que todos os outros. Porque o verdadeiro amor tem os mesmos sintomas do cólera, como nos conta com tamanha perfeição e humanidade Gabriel García Márquez em O amor nos tempos do cólera. Este não é um simples livro sobre o amor, é um tratado sobre o amor e todas as suas possibilidades através da paixão do telegrafista, violinista e poeta Florentino Ariza por Fermina Daza.

O livro reconstrói os hábitos e preconceitos da sociedade colombiana de 1880 a 1930, passando pelas guerras intermináveis e pela epidemia de cólera. Mas, antes de qualquer outra coisa, ele mostra as infinitas maneiras através das quais um homem pode amar uma mulher. E tudo isso nos chega com toda riqueza de uma linguagem literária descritiva e emocionada, metafórica, rica e carregada de sutilidades. A história começa do fim e depois se faz contar desde o início, assim como o amor de Florentino Ariza e Fermina Daza que começa de fato na reta final de suas vidas físicas e mortais, mas no início de sua existência espiritual e plena, onde nada perece diante da eternidade de nossa alma e da infalibilidade de nosso destino.
Como o livro é tocante! E que lindas, sensíveis, bem descritas as noites de amor de Florentino com tantas outras e de Fermina com seu marido, Juvenal Urbino, onde os corpos não estão ali, mas permanecem pelo seu calor de sol nas trevas, onde a escuridão se amplia na mesma medida que a intensidade da respiração e torna-se inevitável desaparecer nesta mesma escuridão.
O livro nos traz uma quietude pensativa que dá muito o que pensar e nos ensina a única coisa que vale a pena saber sobre o amor: que à vida ninguém ensina. Que ele é feito de algumas felicidades tão fáceis que às vezes não podem durar muito tempo, e do qual as personagens principais são aquelas pessoas que você sente antes de ver. Entendemos, vítimas de um encanto arrasador, que segurança, ordem e felicidade, não passam de cifras imediatas que, uma vez somadas, configuram um quase amor, mas não o amor.
E o que dizer de Florentino Ariza, o homem que perde a chave para abrir o cofre do próprio amor e, por isso, o guarda só para si, negando-se a contá-lo até mesmo para a única pessoa que, ao passar pela sua vida, conquista o direito de sabê-lo. E como o define sua grande e impossível amada, Fermina Daza, um homem de passagem, que era como se fosse uma sombra de alguém que ninguém, nem mesmo ela, jamais conhecera.
O amor é uma coisa à parte à vida, no sentido que é uma outra vida, na qual se percebe que nada deste mundo pode ser mais difícil que este tão dito e buscado amor.
A história cheia de encontros e desencontros, lembranças e culpas, esperança e resignação vai se desenrolando sem que o leitor perceba, e este vai se emocionando e pensando em tudo, tão involuntariamente que se assusta, tão espontaneamente que se descobre. Pensa na própria vida, nos seus amores, ou no seu grande amor, impossível, distante, ou, próximo, real, mas pensa, acima de tudo, naquela época única da vida onde amamos melhor porque amamos sem pressa e sem excessos. Época em que algumas provas mortais desta nossa vida já não se fazem tão importantes, porque já atravessemos o rio que a desenha e nos colocamos na outra margem.

E os detalhes dessa linda história de amor, prefiro que o livro lhes conte, eu não os traduziria tão bem!

Um comentário:

Rogerio Stopa disse...

...naquela época única da vida onde amamos melhor porque amamos sem pressa e sem excessos. Gostei dessa parte em particular.
Gostei da indicação e das palavras aqui deixadas.